Quando acordei, vi meu pai ao meu lado, sentado em um sofá, próximo à cama.
— Bom dia. Como se sente? — ele perguntou, tomando o cuidado de manter o tom de voz baixo.
— Bem. Quero ir para casa.
— Sim, já podemos ir. O médico te liberou, mas disse que deverá ficar em repouso.
– Tudo bem — concordei. — Faço qualquer coisa para sair deste hospital.
Como se tivesse escutado o que eu havia acabado de falar, o médico entrou no quarto e me passou um remédio para ajudar com o pescoço dolorido e o braço machucado. Logo depois, assinou a minha alta.
A Ranger vermelha de Otávio – admito que, às vezes, era difícil chamá-lo de pai – estava estacionada em frente ao hospital. Entramos os dois em silêncio. Não havia nada a dizer e se algum de nós começasse a falar, com certeza ia acabar em discussão. Até mesmo porque eu já sabia qual seria o final: eu contaria a ele que havia corrido com a moto apenas para chegar logo em casa e ele não acreditaria em mim, como sempre fazia.
Era isso o que mais me afastava dele, a sua falta de confiança em mim. Mas eu não podia culpá-lo. Devia ser difícil confiar em um garoto da cidade grande, que havia vivido desde os cinco anos de idade só com a mãe, sem regras e com o único compromisso de estudar. Nada de trabalho, nada de preocupações e com vida financeira estável.
Realmente era uma vida boa a que eu tinha. Era o céu, comparado ao inferno no qual havia se transformado.
Otávio nunca foi um pai presente. Depois de se divorciar da minha mãe, ele jamais deixou a fazenda ou as suas malditas flores sequer para me fazer uma surpresa em um fim de semana.
Com certeza eu era o único garoto do colégio que detestava as férias, quando eu ia ficar com ele. Para o meu pai, eu era só mais um garoto metido a besta e filhinho da mamãe. Mesmo sendo pai e filho, nossa relação era de pura desconfiança e estranheza.
Acho que ele suspeitava de que eu usava drogas e só pensava em mulheres e bebidas, enquanto eu o achava um egoísta. Ele não tinha noção da vida ao seu redor. Tudo se resumia a trabalho, plantas, dinheiro, tradição de família e tantas outras coisas que, ao meu parecer, poderiam ficar em segundo plano de vez em quando – por exemplo, no aniversário do único filho dele; cansei de receber presentes em janeiro, sendo que nasci em dezembro. Mas tudo bem, isso até dava para aturar.
O que mais me irritava era vê-lo se acabando de trabalhar, preocupado só com suas estufas, enquanto eu crescia trancado naquela casa da fazenda. E sempre que eu me arriscava a entrar nos corredores em que ficavam suas flores, um grito forte ecoava de longe: Saia já daí, Alex! Você vai destruir os vasos!
Ele vivia e respirava flores, assim como o pai dele antes dele. Herança de família, negócio da família... seja lá como chamam.
O silêncio ainda prevalecia dentro da caminhonete. Otávio estava concentrado em dirigir pelas curvas da estrada que levavam até a fazenda. Eu também achei melhor não dizer nada ou ele podia ficar ainda mais irritado comigo.
Nunca fomos de contar segredos um ao outro. Eu era mais próximo da minha mãe. Se ela estivesse ali, com certeza eu falaria para ela sobre o que havia visto quando caí da moto. Mas Otávio jamais acreditaria em mim e ainda me faria consultar um analista ou psicólogo, achando que eu estava louco.
Quando o carro cruzou a entrada da Fazenda das Flores, vi Matilda, a governanta da casa, na varanda, esperando ansiosa. Ela era uma senhora elegante e alegre, que trabalhava para a minha família desde o tempo em que meu avô era o "Senhor das Flores" – título que meu pai exibia com orgulho.
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Cintilante I
FantasyAlex, um rapaz de 18 anos que acabou de se mudar para a pequena cidade de Laguna, chega bem perto de um fim trágico em um acidente de moto. Mas uma garota de cabelos acobreados cruza o seu caminho e o salva, antes de desaparecer misteriosamente. Ago...