CONTO II - "Quando sinto que já sei"*

113 6 2
                                    


- Posso te contar um segredo? – Miguel, do 6ºA, virou-se para fazer a pergunta a Bernardo, assim que o professor Alê entrou para a última aula da quarta-feira.

- Segredo? Que segredo?

***

Nas últimas duas semanas, Miguel sentia-se estranho. Não estranho de doente; mas estranho de sei lá... Sabe quando você abre a porta da geladeira e não sabe por que abriu? Então... é isso... só que isso por vários dias seguidos... sem passar, sem cessar...

***

Até o carnaval, tudo estava em ordem. Miguel viajou com sua família para Ouro Preto, Minas Gerais. Há tempos que eles queriam conhecer as ladeiras e os mistérios da cidade mineira. Esbaldaram-se os quatro dias explorando cada beco da antiga Vila Rica e o garoto adorou descobrir inúmeras histórias de terror que os habitantes locais lhe contavam em cada um dos passeios que faziam.

- O homem da barba azul é visto toda noite de lua cheia, rezando na igreja da Matriz de Nossa Senhora do Pilar? – impressionadíssimo, perguntou Miguel ao guia turístico, no centro da praça Tiradentes, antes de partirem para o passeio do sábado de carnaval, sobre a história que o homem lhe contava, enquanto esperavam que a mãe terminasse seu pão-de-queijo família.

- Exato! Ele não é daqui e ninguém faz ideia da sua identidade. – Harley, o guia, pronunciava as palavras pausadamente, como se ao dizê-las, tivesse a capacidade de recriar a cena. – O homem aparece aqui onde estamos (pausa dramática), entra na igreja (pausa dramática), reza o terço (pausa dramática), sai (pausa dramática), vira a esquina (pausa dramática) e, subitamente – Harley, levanta as duas mãos para o céu, quase num gesto religioso - ... desaparece.

Na cabeça de Miguel, embora a história impressionasse, eram apenas causos de cidades históricas pra assustar turistas. Apenas mais um aperitivo naquela viagem sensacional que fecharia o primeiro mês de aulas no 6º ano.

Na sexta-feira, contudo, quando Miguel entrou na escola, sua paz pré-pós-e-durante carnaval acabou num episódio, no mínimo, suspeito.

No intervalo das aulas, o garoto sentou-se com Bernardo, Dante e Renato – todos do 6ºA! – no teatro de arena. A ideia era repassar rapidamente o enredo de A droga da obediência, já que, na sexta aula, de Literatura, haveria um quiz sobre o livro do Pedro Bandeira. Durante os poucos minutos de recreio, Miguel retomou mentalmente 10 fatos dos quais sua memória lembrou. Em seguida, discutiu com os amigos as informações que conseguiu recuperar.

Isso aconteceu das 10h10 até às 10h23.

Às 13h, intrigadíssimos, Bernardo, Dante e Renato estavam colados à mesa de Miguel, enquanto os outros alunos e o professor já haviam se retirado da sala.

- Como você sabia de todas as questões do quiz, Miguel? – Bernardo segurava nos braços do garoto.

- Miguelitoooooooooo... – Dante levanta as mãos pro céu com ar de incredulidade – como você sabia que o professor perguntaria o nome da rua do banco que supostamente foi assaltado, na história, pelo Zé da Silva?

Renato olhava o amigo, tentando desvendar pelas expressões faciais o que, de fato, havia acontecido.

- Não sei, não sei... aquilo tudo que falei no intervalo foi o que os meus neurônios lembraram. Como eu iria saber que o professor perguntaria exatamente o que contei pra vocês?

Contos pra acabar - 6º ANO 2017 - O ano que não vai terminar...!Onde histórias criam vida. Descubra agora