Capítulo Único

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Há alguma forma de voltar no tempo e fazer tudo novamente mas dessa vez, correto? Certas dores não se cicatrizam, mas se isso acontece, o passado faz questão de te assombrar.

Não é diferente comigo. Não sou o que eu era, mas talvez tenha sido tarde demais para ter mudado.

O orgulho fazia parte de mim, éramos como carne e unha. Eu não escutava meus pais, para mim, minha opinião bastava, nada mais.

Tinha três irmãos, um mais velho e dois mais novos, e todos - sem distinção - eram o oposto de mim. Me faziam me sentir inferior, e eu me negava a ser, por que eu não era. Eu tinha o poder sobre minhas mãos, e eu o queria mais do que tudo.

Embora tudo isso, Christopher e eu éramos inseparáveis, além de meu irmão, era meu amigo, que me aguentava com todos esses defeitos que pairavam sobre mim.

Mas tudo ruiu.

Um dia, o sol estava exalando seu calor mais do que qualquer outro dia, os pássaros cantavam alegremente e as pessoas estavam felizes, era dia de festa. O dia que meu pai fazia aniversário.

E de presente ele ganhou o pior de todos.

Ele perdeu seu filho.

Imagine sua cabeça sendo triturada, amassada. Era o que eu senti, assim que essa notícia chegou como um balde de água fria.

Meu coração para se fazer de forte, esfriou. Peguei toda a dor e a escondi. Dentro de minha alma havia aquela dor que tentava sair, para que então, minha fragilidade fosse descoberta.

E então, eu fui declarada como herdeira. Assustada com tanta responsabilidade, eu fugi. Fugi para o mais longe possível.

Meu quarto.

Ali deixei o orgulho de lado e despejei tudo que acumulava-se dentro de mim. Meu irmão havia morrido, no entanto, eles não se importaram.

E isso, consequentemente, me transformou.

A dor da perda foi maior do que todas, o sono já não mais me conhecia, era apenas um boato. Meu coração virou gelo, um gelo que provavelmente não iria derreter tão facilmente.

Então eu fiz, fiz coisas que jamais imaginaria fazendo, coisas que decepcionaram meus familiares.

Mas eu não me importava, eu queria que eles sofressem por terem esquecido que antes, uma pessoa inocente, sofreu.

Meu pai, como um bom rei que era, me tirou o direito ao trono, então eu me via como um nada.

Mas o ódio me cegou, o rancor me fez ver coisas que não haviam ali. Não me importei com o trono, nem o que dele pertencia.

Nisso, fiz a pior loucura de todas.
Um incêndio.

Cega pela dor e o sofrimento, botei em risco minha vida e a vida daqueles que um dia, me criaram.

Mas não foi só isso.

A rainha, minha mãe, não conseguiu escapar, gerando então, uma grave queimadura por seu corpo.

Meus irmãos, embora fossem ferimentos leves, sofreram psicologicamente.

Mas não era isso que eu queria.
Aquilo não me alegrava.

Mas era novamente, tarde demais.

Meu pai cego pelo ódio, me renegou como sua filha, como sangue do seu sangue. E como pagamento eu viveria toda minha vida em uma cela.

E então, já se passaram 5 anos...

5 anos que estou em uma cela escura e fria. Sem um mínimo de luz.

O passado me atormenta, flashes da memória me atacam sempre que me ponho a dormir, perdendo completamente meu sono.

Aquela dor que sempre esteve ali, se tornou maior, e me machuca cada vez mais.

Lágrimas e mais lágrimas rolam pelo meu rosto, todo o dia.

Há apenas uma pessoa que ainda está do meu lado, mesmo que em segredo.

Arthur.

Ele é o guarda que me inspeciona todas as tardes e noites. A começo, ele falava apenas o necessário.

Mas do necessário surgiu uma grande amizade. Ele acreditava que eu podia mudar. Ele acreditava que apesar de tudo que fiz, eu podia ser perdoada.

Ele via em mim, o que eu mesma não via.

Uma chance de recomeçar.

Uma chance de mudar.

"Abby as pessoas erram, elas se arrependem, com você não é diferente. " sussurrou enquanto colocava um prato para dentro da minha cela.

Na claridade do sol que batia na pequena janela, seus olhos verdes quase hipnotizantes, se tornaram mais fortes.

"O que isso importa? Meu pai nunca me perdoria, meus irmãos, minha mãe... E meu irmão, ele me odiaria." minha garganta secou e as lágrimas voltaram a se derramar.

O portão da cela abre me assustando, e vejo Arthur se abaixar, e olhar diretamente em meus olhos.

"Não se Culpe, e não chore. O que aconteceu, aconteceu. Você está arrependida, se ele não te perdoar, pelo menos você pediu perdão." disse, e limpou minhas lágrimas.

"Você não entende. Não posso apagar o passado." digo, abaixando o olhar.

"Mas pode mostrar que o seu eu do passado não existe mais." deu um pequeno sorriso, beijou minha testa e saiu fechando as celas. "Até amanhã, Abby."

Ele tinha razão, meu eu do passado não existia mais. E por isso mesmo eu era capaz de suportar isso, por que na realidade eu merecia.

Eu apenas esperava, que as pessoas, as que estão livres, não se deixassem levar pelas coisas que parecem boas. A ganância, além de tudo, não nos leva para o caminho certo.

O orgulho, as vezes nos cega.

Tudo é passageiro. Tanto nossa vida, quanto o tempo que temos com ela.

É exatamente por isso que mudei. Por que minha vida estava sendo gasta com coisas que só me destruíram pouco a pouco.

O que quase aconteceu.

Não bastava os sentimentos me dominarem, ainda havia tudo por cima, como por exemplo manter as aparências.

Aparências enganosas, falsas e superficiais.

Anos presa num lugar gélido e sem vida, me fizeram perceber que lá fora com seus defeitos e tudo era muito melhor do que estar aqui, sozinha.

Sem Arthur ao meu lado eu teria corroído e ficado aos pedaços.

"Christopher, você me perdoa? Eu realmente... Mudei." Fechei os olhos, deixando uma pequena lágrima rebelde descer pelo meu rosto.

Renegada e esquecida por todos eu estava tentando recomeçar.

Não era fácil, as pessoas costumam guardar mágoas, assim como eu mesma guardei.

Mas eu estava disposta a tudo. A receber o perdão daqueles que certamente agora me odiavam.

Eu teria forças suficientes para ser negada o perdão, e talvez até mesmo o meu nome novamente.

Mas tudo vale a pena, quando queremos, e lutamos.

Por que sempre há uma segunda chance.

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Abigail - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora