Dia 1 - Pobre Alice

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- Maldita aula de história - murmurei enquanto acelerava o passo.

Era uma noite de inverno e cada vez mais as ruas ficavam desertas. Mulheres, acompanhadas por seus amantes, se protegiam do frio e de olhares curiosos com longos casacos sobretudo na saída do cinema. Homens tagarelavam alto enquanto brindavam seus copos de cerveja no buteco da esquina. E um grupo de colegas de aula caminhava do outro lado da rua. Olhei para eles com o canto dos olhos, alternando a minha atenção entre os seus passos e a conversa dos homens do buteco, evitando qualquer tipo de surpresa. Eu não sabia o nome de nenhum deles, mas sabia que estudávamos na mesma turma e isso parecia ser o suficiente.

- Ei! - ouvi um chamado um pouco distante.

Era um dos meninos, mas ignorei. Os meus passos aceleraram ainda mais, de forma descuidada, até que tropecei nos meus próprios pés.

- Droga! - exclamei impaciente.

Eu havia caído em uma poça de água, molhando toda a minha roupa e livros da aula. Respirei fundo, um pouco atordoada, enquanto procurava os meus óculos para voltar ao controle da situação. Até que escutei risadas e passos vindos na minha direção.

- Você! - senti alguém pegando com força no meu braço - Passa tudo! Celular, dinheiro... - antes que ele terminasse a frase eu puxei o meu braço com toda a força que pude e saí correndo sem rumo.

As vozes pareciam cada vez mais distantes e o medo cedia espaço para o alívio. Cheguei a um posto de gasolina próximo e finalmente olhei para trás. Nada. "Eles se foram" a minha cabeça dizia. Entrei na loja de conveniência com um sorriso amarelo e sentei em uma das cadeiras disponíveis perto do balcão. Estava passando um jogo de futebol na televisão.

- Boa noite - um funcionário se aproximou sorridente - O que uma moça como você está fazendo aqui sozinha?

- Boa noite - falei enquanto olhava, de forma atenta, para todas as pessoas que estavam ao redor.

- Preciso de ajuda - aproximei o meu corpo contra o balcão para falar.

- E o que seria? - falou demonstrando um interesse fora do comum.

- Moço... - precisei forçar a garganta para colocar um pouco de volume na minha voz - Estou sendo perseguida.

- Sério? - ele soltou uma risada escandalosa, trazendo olhares curiosos sobre nós.

- Por que você fez isso? - falei confusa.

- Olhe para você princesa - falou em tom de ironia enquanto levantava o tronco para olhar de forma mais confortável o meu corpo, da cabeça aos pés.

- É uma noite de inverno, todas as moças de respeito estão em casa, cuidando de seus maridos e filhos. As mais novas dormindo - sorriu com malícia - Você está na rua, sozinha, de saia e com as pernas a mostra. E que pernas! - fez um gemido, parecendo um animal.

Fiquei em silêncio enquanto procurava entender o significado das palavras que acabara de escutar.

- O gato comeu a sua língua? - soltou mais uma risada - Calma princesa, eu vou cuidar de você - falou enquanto tentava afagar o meu cabelo.

Não consegui levantar. Gritar. Fazer qualquer coisa para sair daquela situação. Na verdade eu só queria que um príncipe aparecesse como nos contos de fadas para salvar a princesa. A tal princesa que o funcionário falava. E nem precisava do cavalo branco.

- Moço, por favor, pode buscar um copo de água para mim? - pedi com a voz rouca.

- É claro - deu uma piscadela e virou as costas, caminhando em direção a cozinha.

Pobre AliceOnde histórias criam vida. Descubra agora