A minha vó passou a noite inteira andando pela casa, preocupada. Desde que a Alice foi embora ela estava assim. Não sei como e nem porque, mas a Helena se apegou muito na menina. E saber que ela foi embora, sem ao menos se despedir, foi um choque para nós dois.
- Vó? - perguntei com a voz manhosa.
Ela estava sentada na cadeira de balanço, fitando as chamas irregulares do fogo na lareira. O seu olhar permanecia imóvel, mas os seus pensamentos... Eles estavam longe.
- O que foi?
- A senhora não está cansada? - me aproximei, afagando os seus ombros.
- Preciso estar acordada, caso a Alice volte - falou de forma automática.
- Vó! - parei em sua frente.
- Que? - agora o seu olhar assustado foi de encontro ao meu.
- Esquece essa menina! - bufei - Não aguento mais ver a senhora assim.
- Assim como? - ela parecia não entender.
- Assim, preocupada. Distraída. E o pior, colocando a saúde em risco - revirei os olhos - Ela é uma ingrata! Entrou aqui, dormiu, comeu, pegou roupas da Júlia e depois foi embora. Não respondeu as suas perguntas e ainda discutiu comigo... O que mais a senhora esperava? - bufei mais uma vez.
- Ela discutiu com você? O que falou para ela? - o seu foco havia mudado - Eu sabia que você ia acabar falando alguma besteira... Eu sabia César - baixou a cabeça, decepcionada.
- Eu não falei nada demais! Ela que se afastou de mim como se tivesse visto um monstro. Eu não sou um monstro. A senhora não é um monstro - a encarei de forma séria - Vó...
Ela continuou em silêncio.
- Por que a senhora se importa tanto com essa menina? Você nem a conhece - falei em tom mais calmo, tentando compreender o que passava em sua cabeça.
Eu me importava com ela. Talvez até mais do que deveria. Mas esse não era o momento de falar sobre o que eu sentia pela Alice. A minha vó precisava de mim.
- Eu não sei César. Eu não sei - ela começou a chorar - Depois que a Júlia foi embora eu senti um vazio muito grande no peito. E na casa também. Nada mais parecia ser como era antes - ela fez uma pausa - Eu amo você, mas também amo a Júlia.
- Eu sei vó... - eu me abaixei, apoiando a mão no seu joelho.
- Ela não faz muita questão de falar comigo - fungou - Quando eu ligo está sempre ocupada demais e logo desliga. Então prefiro não ligar. Mas a dor e a saudade não passam, parece que só aumenta - ela começou a chorar de novo.
- Está tudo bem.
- Quando encontrei a Alice na rua, perdida e machucada, os meus instintos de mãe falaram mais alto. Precisava levar aquela menina para casa. Eu não pensei duas vezes. Eu não hesitei César. Era o meu coração falando - ela suspirou - E foi naquele momento que criei um carinho incondicional por ela.
- Ela sofreu... - tentei apoiá-la.
- Ela sofreu sim. E muito - ela falava com o olhar perdido - Eu vi os hematomas. E hoje de manhã eu vi o corte. Eu acho que foi estuprada.
- Estuprada? - indaguei, surpreso.
Eu não imaginava que isso podia ter realmente acontecido com aquela menina. Como eu pude ser insensível a ponto de criar justificativas egoístas para a sua fuga enquanto ela apenas estava com medo.
- Sim César, eu conheço... - ela fez uma pausa, analisando as palavras - Eu já conheci de perto vítimas de estupro. E isso é o você precisa saber agora.
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Pobre Alice
Novela JuvenilAlice saiu da casa dos seus pais no interior do estado para estudar na capital. Morando em um pequeno apartamento afastado do centro e cercada de estranhos, ela enfrenta uma série de desafios quando é perseguida e sequestrada por seus colegas de aul...