Capítulo único

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Passaram a semana procurando e, num anúncio minúsculo, acharam uma casa. Ficava no alto de uma colina, na margem de um bosque e de um riacho barulhento. Marcaram uma visita, e uma senhora também minúscula apontou-lhes o alto da colina. Foram sozinhos e no instante em que pisaram naquele lugar, sentiram-se mais perto do céu, perto de um lugar só deles. Casaram-se, acertaram as coisas e se mudaram na primeira oportunidade. Já tinham um filho de 3 anos e o segundo estava chegando e, talvez, fosse uma menina. Nessa época, apenas o pai trabalhava e todos os dias, em seu carro barulhento, rodeava a colina por sua única estrada sonâmbula. Quando anoitecia, voltava o mais rápido que podia e, quando começava a subir, todos lá de cima já sabiam que estava chegando.

A irmã mais nova nasceu e não demorou a crescer. Com a ajuda de uma parceira, foi mais fácil para o garoto explorar o bosque e o fundo do riacho, as cavernas da colina e o pântano do lado oeste. Eram inseparáveis, passavam o tempo todo brincando e a cada dia descobriam um pouco mais daquele mundo enorme. Quando anoitecia, voltavam para casa torcendo para que o amanhã chegasse logo e pudessem aventurar-se outra vez. Os pais se deliciavam com toda a energia dos dois e passavam horas ouvindo as histórias exageradas de como desvendavam o bosque sombrio e o riacho-mar-sem-fundo. Em um dia, apareciam as misteriosas árvores cantoras ou os pássaros de vidro; em outro, os peixes falantes ou o dragão adormecido. Durante a noite, quando se reuniam para jantar,  tudo o que havia naquela colina tornavam-se pequeno, diante do  infinito que existia quando estavam os quatro juntos. Não havia limites para essa felicidade.

Numa manhã ensolarada, a mãe decidiu passar a tarde na cidade e depois que resolvesse tudo, esperaria o pai para voltarem juntos. Ela traria sanduíches para o jantar, então, os irmãos foram encarregados de ajeitar a mesa para jantarem todos juntos. Esperaram pelo barulho engasgado do motor esforçando-se para subir, mas não ouviram nada. Os dois irmãos imaginaram que, talvez, o carro tivesse estragado, o que ocorria uma vez ou outra. Mas, na próxima hora, nenhum barulho veio lá de baixo. Esperaram até que o silêncio os fez adormecer desapontados e seus pais não voltaram naquela noite.

Os irmãos passaram muito tempo dentro da casa, sem terem força para nada. Olhavam esperançosos pelas janelas e seus mundos se resumiram àquela espera. Apenas esperavam e esperavam, juntos, mas sozinhos. Não possuíam outra vontade, senão a de abraçar seus pais e aquilo os consumia por completo. Nem mesmo conversavam, seus olhos não se desviavam da porta. Rezavam. Foi um tempo de uma mudez profunda e, depois dela, nunca mais seriam os mesmos. Desligaram-se do mundo. Tornaram-se estátuas de desejo impossível que esperavam simplesmente.

Em um dia qualquer, uma batida na porta fez com que se entreolhassem. Hesitaram, mas a batida insistiu. Não tinham força ou ânimo para atender, no entanto, relutantes, levantaram-se do sofá vagarosamente e foram ver o que queriam. Antes de chegarem à porta, mais três batidas. A pequena Raquel abriu e deparou-se com um homem elegante, e que se mostrou muito educado. Ele os cumprimentou tirando o chapéu com uma pena verde e curvando-se pomposamente. Logo perguntou, com um sotaque vibrante, se poderia entrar. Depois do consentimento receoso dos garotos, entrou, e a conversa se estendeu por toda a tarde. Desde o primeiro momento, Raquel viu algo de familiar nele, como se o conhecesse de outros tempos, mas não tinha certeza, poderia estar enganada, por isso, manteve-se quieta. O homem lhes explicou que havia vindo buscar ajuda e que seguira o rastro dos feitos daqueles dois. Não foi fácil encontrá-los, porque havia 77 anos que ninguém ouvia falar deles. Mas, como ninguém mais seria capaz de ajudá-lo, ele insistiu e, por acaso, uma senhora lhe disse para procurar naquela casinha e, por uma incrível sorte, lá estavam eles. Ele explicou sobre o engano que cometeram em pensar que ele era um grande aventureiro, e como ele se deixou levar por essa história. Contou sobre como todos acreditaram nas histórias que ele escrevia sobre um "eu" que, na verdade, não existia, e como ele se apaixonou pela filha do rei. Esclareceu como o rei havia solicitado que ele protegesse o reino de um dragão gigante, que, há anos, devorava a todos que ousavam cruzar o bosque. E só depois disso, talvez, pudesse casar-se com a princesa. "Preciso da ajuda de vocês para derrotar o dragão."

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