Capítulo 9

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Acabara descobrindo que Clarice era uma companhia mais agradável que o esperado e que o real motivo de não suportá-la antes se devia ao fato de se sentir obrigado a estar ao seu lado. Assim que a conhecera melhor, notara que o comportamento fútil que ela tinha quando namoravam era apenas uma fachada, que por algum motivo ela achava que faria bem para o relacionamento.

Clarice tinha uma personalidade alegre e Anton via-se incapaz de permanecer sério ao seu lado. Principalmente quando esta abordava sujeitos aleatoriamente para que dessem o número e marcassem de sair com ele (contra sua própria vontade, visto que ainda pensava em Rá), muitas vezes o rapaz tinha de intervir para que não a agredissem.

Nos três meses que se seguiram após o término, acabaram mais próximos do que jamais foram.

Ambos evitavam o ex-grupo de amigos, que lançavam olhares de ódio para eles sempre que os viam. Mas como nenhuma outra briga foi travada, se encontravam calmos.

— Anton, está me ouvindo? -Clarice estala os dedos na frente de seu rosto.

— Não -admite.

Estavam em seu apartamento, agora mais frequentado por ela, tomando cerveja e comendo pizza. O rapaz se encontrava tão envolto em seus próprios pensamentos que não reparou no início do monólogo da amiga.

Ela suspira, com uma careta de desgosto em sua face.

— Sabe o que é isso?

— O que? -pergunta, mesmo sabendo o que ela falará.

— Falta de sexo. Sei que você acha que ele é o amor da sua vida e tal -ele revira os olhos ao ouvir o quanto Clarice exagera seus sentimentos pelo rapaz desconhecido-, mas não precisa entrar em greve de sexo por conta disso. Aliás,foi ele quem sumiu sem mais nem menos!

Sabia que ela estava certa, não podia deixar de ter um relacionamento com alguém por estar esperando a volta do loiro. Mas não se sentia atraído por mais ninguém, é como se ele o tivesse viciado em seu corpo, sua voz e até em sua personalidade prepotente.

— Eu sei -diz apenas, passando a mão pelo rosto.

— É que eu me sinto mal falando de Alex sendo que você está sofrendo aí.

Alex era o atual quase namorado de Clarice, o cara que Anton beijou aleatoriamente para mostrar sua preferência. No começo, o garoto loiro mostrou-se bastante constrangido ao perceber que ele e Anton se encontrariam frequentemente por causa de Clarice, mas acabara de acostumando com sua presença (principalmente depois de um pedido de desculpas) e eram até bons amigos.

— Desde que não seja sobre sexo, pode falar qualquer coisa. Eu aguento uma boba apaixonada!

— Deixa de ser panaca! -diz e lhe dá um leve tapa no braço, ela olha para a caixa vazia de pizza- Ainda estou com fome.

— Sério? -ele ri.

— Não tem graça, Anton. Peça mais pizza ou irei morrer de fome!

Ele pega o telefone e faz o pedido para a garota, que explicava ao seu lado como exatamente queria a sua pizza. Ao desligar, ele rodeia sua cintura com um braço, levando-a para perto de si em um meio abraço.

— Você vai descer para pegar a pizza para mim, não é? — Ele ri de sua pergunta.

— Claro que vou.

Permanecem sentados em silêncio, até que o interfone toca e Anton levanta, já sabendo se tratar da pizza.

Desce até a portaria o mais rápido possível para que Clarice pare de reclamar de fome e avista o motoboy. Paga ao homem, agradecendo e pegando a caixa de suas mãos, com pressa para voltar para seu apartamento. Mas o porteiro o chama:

— Anton, poderia levar essa encomenda para mim?

— Claro, para quem é? — diz esticando a mão livre para pegar o embrulho.

— Os rapazes do apartamento ao lado do seu. Obrigado pelo favor, rapaz!

— De nada.

Ele sobe com a pizza em uma mão e o pacote em outra, primeiro passa no próprio apartamento para deixar a comida com a amiga faminta e só​ depois segue para a porta ao lado.

Ele sobe com a pizza em uma mão e o pacote em outra, primeiro passa no próprio apartamento para deixar a comida com a amiga faminta e só​ depois segue para a porta ao lado

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Era a primeira vez que reparava na porta de seu vizinho. Sentia-se um idiota, estava tão próximo, o tempo todo exibindo-se, esperando a coragem tomar-lhe as veias e o tirar de sua bolha construída pela auto piedade. Estava ali, em sua frente, como pôde ser tão cego?

Na porta, pintado com tinta preta e usando o olho mágico como íris, estava o símbolo Udyat.

Se soubesse o que o aguardava logo ao lado, teria se poupado de tanto tempo longe. É incrível o quanto a ignorância pode realmente cegar alguém e era desta maneira que se sentia: cego.

Não se movia, encarava o desenho bem feito como se este pudesse lhe oferecer as respostas do porquê não ter sido mais observador antes. Talvez ele servisse muito bem ao propósito e protegia ao inquilino do apartamento, ou talvez o rapaz era apenas um idiota extremamente egoísta e covarde mesmo. Eram duas hipóteses muito viáveis, tinha de reconhecer.

E naquele momento percebeu porque não fora procurado por ele. Ele estava esperando pacientemente que o encontrasse. Agora, como alguém impaciente daquela forma conseguiu se esconder e aguardar silenciosamente, era algo que fugia de seu compreendimento.

— Olá? Posso ajudar?

Ao ouvir a voz, seu sangue parecia ter começado a ferver nas veias, esquentando todo o seu corpo. Virou-se devagar, fazendo o máximo para manter uma expressão neutra, o que se mostrou mais complicado quando o viu, mas manteve-se impassível.

Além da postura e musculatura marcantes do homem, o que mais clamava por atenção era seu rosto. Lábios cheios, maxilar forte, nariz levemente arrebitado, pômulos proeminentes e olhos âmbar intensos, que jurava incomodar sua vista de tão brilhantes.

— Na verdade, acho que sim. O porteiro pediu para te entregar -diz calmamente, a voz enganosamente entediada.

Esticou a encomenda em sua direção, mas o homem à sua frente encontrava-se atônito demais para realizar qualquer movimento. Anton levantou uma sobrancelha instintivamente, o que fez com que saísse de seu torpor.

— Claro, obrigado!

Não conseguia desviar os olhos do rosto à sua frente e, mesmo que fosse possível, não o faria de modo algum. Foi tanto tempo contando apenas com a imaginação para preencher as lacunas vazias que não acreditava na imagem que seus olhos mostravam.

Mesmo que tentasse passar a imagem de indiferença, era mais que notável suas mãos trêmulas segurando fortemente o pacote, a respiração entrecortada, o rosto mais pálido que o normal e o olhar, repleto de sentimentos facilmente identificáveis, fixo no homem.

O coração queria sair correndo do peito, na maior velocidade que suas batidas desritmadas conseguiam produzir (o que era bastante). E a sensação parecia ser sentida por ambos, o corredor aparentava ecoar seus batimentos desesperados para que todos ouvissem, ou o desespero em suas mentes os fazia acreditar nisso.

— Por nada.

Ele pegou o pacote em uma das mãos e, com um sorriso ofuscante surgindo em seu rosto, estendeu a outra em um cumprimento para Anton, que aceitou sem pensar duas vezes.

— Prazer, eu sou Rafael.

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