Nestor pega um gravador para começar seu novo diário.
-Esse celular devia ser pago a minha mãe e só faço dever mais ao meu pai. Aliás, nem dever. Não estou sendo mantido vivo. Estou um caseiro informal. O que faz com que eu tenha que cuidar de mim quando eu estiver doente e admito que foi errado até agora eu não fazer isso. Devo estar no dia 14 ou 15 dos sintomas mais terríveis e vou contar mais ou menos o que aconteceu.
"Tive contato com agentes patológicos na segunda ou terceira semana do mês de fevereiro. Pouco antes do maldito carnaval. Tentei manusear com cuidado, só os estava conhecendo e analisando, pois é o que faço com as coisas para me tornar conhecedor. Não sei se já ali houve uma falha ou depois do carnaval, quando eu estava debilitado por conta de um acidente de ego somado a álcool. Todos os acidentes são de ego, melhor dizer logo que foi moto.
Os agentes patogênicos estavam se agrupando de modo nunca antes visto nos pequenos grupos que surgiram antes. Algumas células me chamaram mais a atenção e deve ser uma cultura dessas células que manuseei mais que me causou a doença.
Por alguns dias estava tudo bem. Eu só observava, fingia interagir, mas logo ia cuidar de outros problemas mais urgentes. Depois a coisa começou a apertar.
Primeiro veio o suor, que pensei ter vindo junto ao fim do verão, com dias quentes que anunciavam a frente fria que traria as famosas águas de março.
Eu não considerava isso um problema, ao menos nada forte, mas depois o suor se misturou a uma febre. Com um pequeno derramar de lágrimas quando bocejava. Era como se eu estivesse muito assustado e preocupado sem realmente estar. Achei estranho, mas era fácil de esconder e poderia ser causado pela falta de sono, eu havia passado a dormir só por seis horas em média.
Nem sempre lacrimejava ao bocejar, mas isso continuou me incomodando por uns dias. Até que parou. Quando parou veio uma espécie esquisita de aperto no peito, meu coração disparava tão forte que mal podia analisar as células interagindo nas colônias, eu sentia como se me batessem no peito e o impacto se irradiasse por umas cicatrizes recentes formando raios em meu tórax. Esse foi absurdo e cheguei a comentar com um amigo que imaginei ter ficado doente com os agentes que estudei. Eu falei com outros estudiosos e fiquei mais preocupado, talvez eu tivesse nada para combater essa estranha e terrível doença.
Há alguns dias passei a ter alucinações. As primeiras foram fortes e tinham até sons. Depois de um sonho com as mesmas formas das alucinações e pessoas do meu passado recente, elas me perseguiram na rua. Quanto às visões, parecia que as bactérias me perseguiam, então imagino que as ações que eu havia tomado estavam simplesmente acabando comigo - mas meu cérebro mandou a informação do agente. Ou era um vício que minha imaginação tentava resistir, muitas drogas alucinógenas tentam se impedir de causar o vício por serem alucinógenas. Elas simplesmente causam um sonho tão inconcebível que é impossível não perceber que seu cérebro saiu da realidade.
No trem, indo trabalhar e já me escondendo para não revelar a doença a outros e nem à minha família, tentei divagar sobre os sintomas e me fingir de médico para saber se já conhecia o quadro comigo ou alguém e sim, eu conhecia - na verdade eu já havia vivenciado isso!"
Nestor afasta o rosto, os cabelos bagunçados e amassados do acordar caem no rosto. Levanta olhos com olheiras profundas para o alto e lamenta por dentro, expirando tão alto que o som do ar saindo lentamente de seu diafragma e pulmões pôde ser gravado por belos segundos.
Ele pausa o gravador e se levanta lentamente, deixa o celular numa escrivaninha muito bagunçada e vai vestir calças. Ri da estampa tribal de dragão na sua cueca preta.
"Eram onde estavam as bolas do dragão para aquela garota... eu estaria a salvo se tivesse sido melhor para ela? Eu queria ser cientista de qualquer jeito. Nada pode me salvar agora."
Vestiu-se tão lentamente que para ter calças, meias, botas e uma camisa sobre a camiseta ele havia tomado um minuto e meio, mas sentia como se o ano tivesse passado. Teve o cuidado de deixar uma mensagem para uma amiga para tentar ter certeza que a causa das visões era totalmente psicológica e partiu para o médico ali perto. Tentar ser examinado pelo serviço público, ainda que em terrível descaso.
"As dificuldades com o descaso público não tiraram a atenção dos atendentes e da enfermeira Maria. Maria, na sua pouca experiência, como uma jovem promissora, poderia me salvar. Mas não havia naquela unidade como marcar os exames necessários e ela me falou para ir ao hospital central.
Percebi que o jeito era eu me examinar primeiro. O que eu deveria ter feito desde o começo. E por isso fiz esse diário e comecei... ah... febre eu acho... a adicionar uma lista de sintomas. Certo. Febre e alucinações. Eu tive isso antes e as convulsões são as próximas. Preciso testar meu sangue para ver se foram as novas cobaias e rapidamente procurar me medicar, deve ter a cura em algum lugar."
Nestor acabara de receber a resposta de sua amiga. As alucinações não eram só psicológicas pelos sintomas apresentados e era melhor ele procurar exames dos outros sintomas. Ela deu um telefone para que ele pudesse ser avaliado com algum desconto.
Ao saber que os sintomas eram da ordem que esperava, sentiu-se confuso e nada aliviado, sentiu-se morrer sem terminar seu curso e seus experimentos.
Mas sem dinheiro sequer para parar em pé, era melhor tentar não cair morto.
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Sintomas
Short StoryHistória original que realmente aconteceu ou não. Eu tive vontade de ver como um cientista trabalha e tornar isso uma espécie de "teaser". Nesse mundo nós não damos nomes bonitos às coisas bonitas. Mas algo lindo existe para nos ajudar, e é a ciênci...