Forgetfulness

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Helston, Inglaterra, Séc. XIX
Scarlett Mansion (Mansão Escarlate)

Como a bela e delicada dama que eu claramente não sou, me dirigi ao salão de festas com graciosidade, ao menos tanto quanto eu podia no momento, logo atrás da presença imponente da mulher que me atormentava em meus sonhos mais intensos e assustadores.
Ela varria os corredores com sua elegância e beleza extraordinárias. Era como uma enorme onda destroçando o quê ou quem estivesse à sua frente. Um dos fatos pelos quais minha admiração por ela ainda persiste. Era admirável que ela se expusesse de tal forma, visto que os homens possuem uma ideologia esdrúxula de que mulheres são inferiores a eles. E ela, como um terremoto, abala as estruturas de qualquer ser humano que ouse desafiá-la.
Observando detalhadamente, ela era divina, se assim eu pudesse classifica-la. Divina, porém diabólica.
Seus sapatos de seda e camurça vermelhos como sangue, assim como seu vestido em tons de creme e vermelho, emolduravam seu corpo esbelto. Parecia uma deusa em sua forma mais plena, digna da beleza de Hera, a rainha do Olimpo da mitologia grega, ou até mesmo Afrodite, a deusa do amor. Não havia título algum que pudesse classifica-la, acredito.
Quanto a mim, coberta pela total sensação desgostosa causada pelo meu vestido preto exageradamente cheio de camadas sobrepondo umas às outras e sapatos de pelica e camurça e com um salto terrível, tentava ao máximo caminhar com uma postura adequada e sorrir como uma "verdadeira dama" faria se estivesse em meu lugar. Era uma tarefa árdua e exaustiva, apesar de não parecer. Meus pés com certeza ficariam com muitas bolhas e minha pele alva que se encontrava sob camadas e mais camadas de tecido e um espartilho mais apertado do que o necessário com certeza ficaria machucada.
"Sempre se mostre bela, graciosa e em estado de controle. O mundo é cruel e você precisa lidar com todos os fardos que tiver pelo caminho. É seu dever se impor, querida.", como minha mãe faz questão de repetir para mim todos os dias. Um conselho útil, ao menos.


A caminhada pelos corredores escuros da mansão foi lenta e silenciosa. Nenhum som se fazia presente além de minhas respirações ritmadas e o barulho dos saltos ecoando pelo ambiente.
Um pouco mais à frente, enfim, as portas do salão, agora escancaradas, se mostraram brilhantes e saudosas. Detalhes na madeira branca formavam várias ondas que se quebravam violentamente e suas maçanetas eram de um tom caramelo com leves toques cintilantes. Apesar de majestosas, não eram nada se comparadas ao salão.
Eu o odiava intimamente, mas não podia dizer que o mesmo era horroroso. Muito pelo contrário: ele era magnífico.
As paredes em tons de amarelo claro, quase em tom creme, e as cortinas em tons amarronzados deixavam o ambiente confortável. E eu agradecia por isso, já que gosto mais de ambientes discretos, embora o resto do cômodo não pudesse ser nomeado como "discreto", para o meu desprazer.
O piso de madeira, agora lustroso devido a intensa faxina que os pobres empregados tiveram de fazer, deixava um aspecto maravilhoso com o contraste que causava nos móveis. Os mesmos estavam todos espalhados de maneira uniforme e autêntica, característica irrefutável Dela, e deixavam claro para qualquer um que os visse de que o ambiente era para pessoas abastadas e não para pobres e maltrapilhos, como os empregados que só entravam naquele ambiente para limpá-lo.
Os sons dos sapatos se destacavam no ambiente em uma melodia agradável e por um momento me senti entusiasmada. Esse sentimento obviamente se esvaiu do meu corpo quando o silêncio se apoderou do local.
Muitas pessoas pararam suas conversas e viraram para saudar minha mãe e a mim, sem se aproximarem de nós já que além da admiração o medo em seus olhos também se fazia presente.
Uma delas, entretanto, apesar de sua idade ser claramente menor que a minha, resolveu se aproximar de nós e ao que parecia, estava nervosa. Não a culpo ou julgo por isso, afinal, eu sou assim também.
- Olá, Mrs. Morgan. É um imenso prazer finalmente poder conhecê-la. Está magnífica e sua festa faz jus ao seu nome.
- Ora, por favor querida, não me engabele tanto assim. Ainda que seja tentador lhe ensinar uma lição, agradeço seus elogios. Qual é o seu nome?

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