Capítulo 1 - Parte 1

290 5 0
                                    

"Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar." - William Shakespeare

- William Shakespeare. Não havia hora mais apropriada para me enviar esta mensagem.

Resmunguei enquanto atravessava a rua em direção ao calçadão e me questionei outra vez por que ainda tinha aquele aplicativo que me enviava frases dele? Eu bem sabia a resposta. Eu amava tudo que Shakespeare escreveu. Sua forma viva de olhar o mundo, a maneira torta e, ao mesmo tempo, correta de enxergar a vida. Uma alma avançada, torturada e incompreendida.

Mais ou menos como eu me sentia.

O sol estava forte e o calor só aumentava a apreensão que eu sentia. Segurei meu projeto com mais força , como se ele pudesse escapulir das minhas mãos a qualquer momento. O que o professor Frankli pretendia? Eu não fazia a menor ideia.

Quando abri o e-mail, naquela manhã, não consegui acreditar no que ele me enviara. Reprovada. Aquilo era inacreditável e inaceitável para alguém como eu! Como poderia ser reprovada? Durante quatro longos anos me dediquei inteiramente àquele curso apenas porque queria correr atrás de um sonho. Meu sonho mais profundo, o mesmo que me fez abrir mão de tudo o que poderia viver caso ele não existisse. E agora, o maldito professor, estava prestes a me reprovar.

O filho da puta só poderia estar louco! Não havia outra explicação. Ele teve um semestre inteiro para analisar meu projeto. Sabia que o livro estava quase pronto, faltava bem pouco. Primeiro, com o intuito de avaliar se eu conhecia mesmo meus personagens, pediu um perfil bem estruturado, contendo tudo o que poderia lhe dar uma imagem exata do que desejava de cada um deles.

"Muito bom, Charlotte!", dizia sempre que conferia meu material. Depois me pediu um resumo da obra, um texto onde eu demonstrasse a essência da história, qual o seu diferencial, o que eu pretendia, por que era boa o suficiente. Ele me pediu o mundo e foi só isso o que fiz durante os últimos quase quatro meses.

Por último, me pediu tudo o que eu tinha. Cada capítulo terminado. Enviei convicta de que havia feito o meu melhor, afinal de contas, ele sempre gostava e aprovava meus textos, mesmo que não passasse mais do que parcos dez ou quinze minutos ao meu lado e, praticamente, sem sequer levantar os olhos para me fitar.

Puta merda!

Estava sendo um semestre cansativo.

Eu deveria ter rejeitado a ideia de Miranda de aceitá-lo como meu orientador. Fiz isso pela minha amiga, que morria de amores pelo tão desejado professor Frankli. Deveria ter percebido que o fato de ele querer um motivo para se aproximar mais dele não me ajudaria a alcançar meu objetivo. Agora estava vendo tudo ir por água abaixo.

E o máximo que ela conseguiu foi aguardar por mim do lado de fora da sala apenas para vê-lo passar sem olhar para os lados. Minha amiga era inacreditável. Obviamente, ela tentou abordá-lo na sala dos professores, na lanchonete, nos corredores, porém o professor Frankli era uma concha, fechado de dar dó.

Nunca conheci alguém mais insuportável, pernóstico, pretensioso, cheio de si, soberbo... A imagem dele piorava , e muito, quando se acrescentava a todos esses adjetivos a sua vontade mesquinha de me reprovar. Logo no meu último semestre. Justamente no meu melhor livro.

Eu queria que ele morresse afogado antes de passar seu veredicto para a secretária. Assim, meus problemas estariam resolvidos. Nenhum outro professor daquela universidade teria coragem de me reprovar.

Bom... Meu nome é Charlotte Middleton. Isso mesmo. Um nome estrangeiro para um estrangeira que vive no Brasil desde que se entende por gente. Meus pais, assim como eu, são ingleses, por isso minha pele branca, delicada e olhos claros. Claros até demais. Eram de um azul sem graça, desses de céu em fim de tarde, quando o sol decide não colorir o fim do dia com seus raios alaranjados, então vemos a noite chegar sem a menor graça.É exatamente assim que sou.

As pessoas, normalmente, passavam um bom tempo me olhando como se eu fosse uma aberração. Para ajudar, tenho cabelos castanhos, por culpa do meu pai, tão lisos que não fazem nenhum cacho, nem se eu passasse a noite com bobes. A única coisa que eu conseguiria era uma grande dor de cabeça.

Ou seja, uma garota comum, sem graça, sem sal, sem nenhum tipo de atrativo. Essa sou eu na vida real, porque, em meus sonhos, ou na minha imaginação, sou linda, tenho mais bunda, seios fartos, sou divertida, descolada... Posso ter a cor de cabelo que quiser.
Nos meu sonhos, não tenho vergonha de falar em público ou de conversar com aqueles garotos lindos de tirar o fôlego. Ah! Nos personagens que crio, eu não uso óculos. Uma vez ou outra admito usar lentes de contato, pois estas não incomodam nunca e eu consigo passar o dia inteiro sorrindo sem que meus olhos fiquem lacrimejando, vermelhos ou parecendo que receberam um punhado de areia.
É assim que sou quando descrevo as minhas personagens. Elas vivem por mim tudo aquilo que eu desejava viver e não podia, não devia, ou não tinha coragem de fazer.
Sou estudando de Letras e Literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Consegui essa proeza após muita briga com meu pai, que , assim que concluí o ensino médio, desejava a todo custo me levar para fora do Brasil. Porém, eu não queria ir embora. Não tinha certeza se seria o melhor para alcançar meu objetivo. Assim como estava ciente de que a escolha do curso apenas me guiaria para o destino que eu almejava, já que não há um curso específico para quem deseja ser escritor.
No entanto, estudar Letras e Literatura, tendo todas as experiências que eu tenho, além das possibilidades, dos cursos  e tudo mais que pude fazer sem a intromissão do meu pai, me deixaria apta para atuar como crítica, consultora linguística ou literária, tradutora e revisora de texto, o que apenas enriquecia o meu lado técnico. Porque escrever é um dom. Não é? Ninguém se torna escritor . A pessoa nasce escritora.  E foi para isso que nasci: para escrever.
Sempre sonhei em ser escritora. Aliás, mudei toda a minha vida para tornar este desejo realidade. Mas ali, naquele dia, eu descobri que cometi dois erros graves: optar por escrever romances eróticos e escolher o professor Frankli como meu orientador para conclusão de curso. Pelo visto, ele era um grande mentiroso e não gostava de nada do que eu escrevia. Nada.

O Professor  - 1° Temporada. Ele vai ensinar, ela vai aprender.Onde histórias criam vida. Descubra agora