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O vento que tocava nossa pele fazia os cabelos esvoaçarem, os dela principalmente. Aquele era um dos fins de tarde mais belos que eu já tinha visto. O céu e o mar estavam alaranjados e o som da maré era tudo o que escutávamos. O sol estava gigante entre nuvens arroxeadas e o seu calor já não mais era um problema. Até parecia um sonho. Mas era real, estava acontecendo.
Observei-a caminhar deixando suas pequenas pegadas na areia e percebi o quão menor que eu, ela era. Sorri deixando um breve riso escapar por meus lábios. Ela virou-se para mim com aqueles olhos castanhos encontrando os meus. Seu rosto expressava a vontade de saber a razão de eu ter dado aquele riso. E então, ela me perguntou:
— O que foi?
Meu sorriso ganhou forma e eu me aproximei ainda mais dela colocando meu braço sobre os seus ombros e a encostando em meu peito.
— Nada. — Respondi.
— Fala! — Ela retrucou. Odiava quando eu a deixava curiosa.
— Eu estou feliz por estar aqui com você. — Respondi continuando a andar abraçado a ela.
Ela não disse nada. Apenas sorriu. Estou feliz por estar com você também ou Sério? Por quê? foram uma das coisas que imaginei que talvez ela tenha pensado. Mas talvez não fosse certo para ela ter respondido ou perguntado aquilo.
Desviei o olhar para frente, a praia se estendia além do que conseguia enxergar. Parei de caminhar e ela me olhou novamente. Olhei para a maré baixa e a soltei sentando-me no chão. Ela permaneceu em pé por uns instantes me observando e logo em seguida sentou-se ao meu lado. Passava-me pela cabeça se ela achava que eu era meio louco.
— Lembra quando estávamos no meu carro?
— Fala da primeira vez que saímos?
— Sim.
— Como vou me esquecer? Você saiu rodando pela cidade inteira antes de me deixar em casa. — Ela riu.
— Eu estava ganhando tempo. Queria ficar o máximo ao seu lado, não fazia ideia de quando ia voltar a te ver. — Sorri enquanto dizia aquilo. — Mas não é exatamente sobre isso que eu queria falar.
— E sobre o que é?
— Lembra quando parei na porta da sua casa? Falamos sobre planos. As ideias para o futuro.
— Eu me lembro. Mas por que está falando disso agora?
— Naquele dia você me disse que se imaginava casada, com filhos e quando me perguntou, eu disse que me via com filhos, mas não casado.
— É, você disse que se via divorciado. — Ela riu como se o que eu tivesse dito fosse uma besteira.
— Eu estava mentindo. — Olhei novamente para os olhos dela. — Eu me vejo casado. Na real... muitas vezes antes de eu te dar o primeiro beijo, eu imaginava isso com você.
Aquela minha última frase tocou ela. Não sabia exatamente se ela estava emocionada ou assustada. Ela continuou me olhando fixamente esperando que eu continuasse a falar. Toquei-lhe o canto do rosto com minha mão direita e então disse:
— Eu sei que há um tempo eu falei que não me apegava a ninguém... mas, eu sempre me apeguei a você.2
— Eu sempre me apeguei a você... — Aiden falou olhando para a fotografia um tanto desgastada de uma garota branca com cabelos escuros.
O jovem de cabelos castanhos recém cortados encontrava-se sentado no chão, estava encostado em uma árvore. Vestia uma jaqueta militar verde-oliva sobre uma camiseta branca encardida. As jeans pretas estavam cobertas de terra e estranhamente combinavam com os coturnos marrons. A sua mochila de viagem cinza com alguns detalhes em azul estava aberta em seu colo.
O bosque era um lugar agradável. As árvores altas ajudavam a se esconder do calor intenso e o vento não causava a sensação de abafo a qual estava começando a se acostumar. Já estava lá a três longos dias calmos. Começava a se apegar ao ambiente embora soubesse que aquilo não iria durar muito tempo. Em breve teria que continuar seguindo em frente, teria que retornar para a estrada.
O som de passos, vindos de trás, tomou sua atenção, ele soltou a fotografia deixando-a cair dentro da mochila e desceu a mão até a cintura segurando a lisa coronha de madeira da Colt Python 357. Não chegou a retirá-la do coldre, porém, abaixou o cão.
— Aiden? — Uma voz conhecida chamou por ele.
Era Drew. O jovem de jaqueta jamais deixara de reconhecer a voz grossa de seu amigo. Soltou o revólver, não seria preciso usá-lo. Suspirou aliviado. Por um instante, a adrenalina havia abraçado o seu corpo. Fechou o zíper da mochila e começou a levantar-se.
— Aqui! — Disse Aiden indo na direção de onde a voz havia lhe chamado.
Um rapaz de cabelos castanhos lisos tão longos que passavam os seus ombros caminhava na direção de Aiden. Era pálido, seu rosto tinha algumas sardas tão claras que era necessário observar bem para repará-las. Os seus olhos verdes tinham a mesma cor da jaqueta de seu amigo e passavam um ar de serenidade que poucos olhos naqueles dias conseguiam passar. Ele vestia um casaco de algodão preto que ficava enorme em seu corpo. As suas calças estavam tão surradas que em breve precisaria trocá-las.
Ele segurava com sua mão esquerda uma espada japonesa pela bainha. Um presente que ganhara de seus tios há uns anos. A tratava como uma filha. Sempre a mantinha por perto e a limpava com frequência para que o brilho de sua lâmina ficasse sempre vivo. Aiden já havia se acostumado com aquilo.
Os dois rapazes ficaram de frente um para o outro. Aiden carregava a mochila apenas por uma alça e olhava para os olhos calmos de Drew. O jovem de jaqueta era mais alto que seu amigo. A diferença entre eles era de pouco menos que vinte centímetros.
— O que tá fazendo? — Drew perguntou levando sua mão direita para dentro do bolso do casaco.
— Você sabe... — Respondeu desviando o olhar para cima. — Olhando a vegetação, limpando a bunda com folhas...
— Cara... — Drew lançou um olhar diferente para o mais alto. Um olhar que o fez voltar a encará-lo. A serenidade se foi e um ar de preocupação tomou o lugar. Ele se importava com o amigo e Aiden sabia disso.
O jovem de jaqueta ficou pensativo por um segundo. E então respondeu com seriedade.
— Tava me lembrando dela. Eu não consigo esquecer. — Desviou o olhar para o chão.
— E não deve. — Ele tirou a mão do bolso e a colocou no ombro direito do amigo. — Jamais deve esquecer. Por mais duro que seja, não devemos esquecer deles. É por causa deles que estamos nessa, lembra?
— Lembro.
— Vamos. Anne está esperando por nós. — Desceu a mão do ombro para o braço e deu-lhe dois tapas leves, virou-se e começou a andar.
O mais alto ficou parado por uns segundos vendo Drew caminhar. Ele está certo. Pensou. Era por causa dos outros que eles ainda estavam ali e seguindo a estrada. Levou a mão até a franja e jogou os cabelos para cima fazendo um pequeno topete. Vamos, ande! Anne está esperando por nós.
Começou a caminhar acompanhando Drew em passadas lentas.
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Dias Sobre a Estrada
FantasyO que seria preciso para que você se aventurasse em uma estrada que mata aqueles que tentam chegar ao seu fim? Aiden e Drew são amigos desde a infância e quando o seu mundo se torna um cáos, eles decidem seguir pela estrada solitária para muda...