2. Diz que quer ficar

24 4 0
                                    

Rio de Janeiro, 27 de abril.

Will,

Lembra-se das horas intermináveis ao telefone? Sua risada escandalosa ainda está gravada na minha memória.

Você dizia que não conseguiria me livrar de você tão cedo. Que ligaria todo santo dia até fazer com que eu me apaixonasse, sentisse sua falta e não conseguisse viver ser você.

Eu não percebi os indícios de seu temperamento possessivo na ocasião.

Havia alguém entre nós. Acho que você notou. Seu instinto era eficaz para perceber a ameaça. Não que precisasse de qualquer artimanha para me ganhar, você já tinha conquistado minha atenção quando expôs algumas de suas imperfeições logo de cara.

Hoje penso se essa estratégia funcionou com todas as mulheres que passaram na sua vida.

Quem não deseja ter a chance de consertar um cara autodeclarado como quebrado?

Esse é um dos afrodisíacos que impulsionam os sentimentos de uma mulher.

Tomei uma decisão antes de você chegar na minha história.

Penso que foi a pior decisão que tomei em duas décadas e três quartos de vida.

Decidi nunca mais me entregar. Isso não tinha nada a ver com você, Will.

Era uma escolha minha. Uma decisão para conseguir manter o controle.

Por quê tudo para você tinha que ser extremamente pessoal?

Por quê tudo tinha que estar diretamente ligado a você?

Não, Will, você não era o centro do meu universo... Ainda.

Mas havia a promessa de grudar na minha alma, estar em todos os lugares ao mesmo tempo, em não me deixar em paz.

Essa promessa você cumpriu.

A pior coisa que poderia ter me acontecido revelou-se como a maior dádiva de minha vida.

É como dizem: Ele se parece com um anjo de luz, lindo e deslumbrante, vestido de branco. Se você estiver atento e perceber todos os detalhes, verá que na barra da calça dele existe uma manchinha preta, que mostra sua verdadeira face.

Você me perseguia diligentemente.

Despertava a inveja de pessoas próximas por causa de todo seu cuidado comigo, a ponto de sermos alvos de um plano egoísta para provocar nosso fim, Will.

De todas as coisas que poderiam te atrair, resistência era uma das que mais te fascinavam.

Sempre quis me entregar para você, Will.

Eu nunca desejei fugir, mesmo que estar ao seu lado me fizesse ir à ruína.

Mas haviam termos que precisavam ser seguidos, você não estava disposto a correr o risco e nem eu.

Você queria entrega total. Eu só queria você inteiro.

Nenhum de nós cedeu no final das contas.

Estar envolvida com você era desgastante demais. Um desafio mental exigente.

Éramos tão competitivos, não é mesmo?

Ambos querendo ganhar em nosso próprio jogo, onde perder seria a melhor opção para nós dois. Talvez se tivéssemos perdido juntos, teríamos vencido no final das contas.

Você sorria e chorava ao mesmo tempo.

Talvez o fato de não possuir total compreensão sobre sua loucura fosse o bálsamo que sua alma precisava.

Porém, no processo de descobrir quem você era acabei esquecendo quem sou eu.

Não foi num rompante, como bem sabemos, que tudo desandou.

Refiro-me às minhas descobertas e a perda da minha identificação pessoal.

Já o nosso fim, este foi como uma queda, ou talvez uma grande pedra descendo a colina. No início em velocidade baixa, mas em pouco tempo tomando força e seguindo cada vez mais rápido.

Os resultados foram catastróficos.

Percebe como destruímos tudo por onde passamos?

Destruição em massa não pode ser pior do que não saber de onde veio ou para onde vai. Se vai chegar ou partir.

Não saber quem você é...

Esse sim é um pesadelo sem fim.

Você possui identidade, Will?

Perdi a minha dez anos atrás.

Cartas para WillOnde histórias criam vida. Descubra agora