Capítulo 3 - Caio

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O primeiro dia de volta às aulas foi normal e a garota que entrou na sala errada nos proporcionou boas gargalhadas, até que ela saiu correndo da sala e o professor me repreendeu pela piada.

Ok, depois fiquei com um pouco de peso na consciência, mas ela também não precisava levar tudo tão a sério.

Depois de sair da faculdade fui andando até uma loja de tintas e comprei os materiais que costumo usar.

Fui andando calmamente até minha casa, que ficava na beira da praia, tínhamos até a areia como quintal e eu adorava isso, menos a parte de sempre ter areia dentro de casa.

Abri o portão que dava na rua e fui até os fundos de casa, onde eu e meu pai trabalhávamos em várias pranchas com a praia como paisagem diária.

_Cheguei. - anunciei colocando as sacolas no chão enquanto ele fazia o acabamento de uma prancha.

Meu pai já não era o garoto de quando começou a mexer com pranchas, mas a idade não diminui sua força e paixão. Ele se negava a trabalhar com pranchas que não tivessem sido lixadas e polidas manualmente e isso valorizava muito o nosso trabalho.

_Como foram as aulas? - ele perguntou parando o que estava fazendo e sorrindo.

_Ah, tudo normal. - disse jogando a bolsa em cima de um dos sofás da varanda e em seguida tirando a blusa e a jogando também.

Peguei um short jeans claramente feminino que estava em cima do sofá e joguei no meu pai.

_Vai começar a usar short curtinho agora é? - perguntei rindo e ele me acompanhou colocando o short de volta no sofá.

_É da Alice. - ele explicou normalmente.

Fiquei confuso. Deveria lembrar de alguma Alice?

_E quem seria Alice? - perguntei me sentando e tirando os tênis, ficando apenas de calça jeans.

_Uma moça que eu estava conversando.

_Será que panela velha é quem faz comida boa? - perguntei e ele me olhou como se eu tivesse dito a maior besteira do mundo.

_Onde errei com você? - ele riu e eu o acompanhei. - Ela era de São Paulo e quer aprender a surfar, vou ensinar.

_Isso não explica o short.

_Que ciumento, hein. - ele disse brincando. - Ela foi dar um mergulho e daqui a pouco está de volta.

Concordei com a cabeça para mostrar que tinha entendido.

Meu pai adorava ajudar as pessoas, principalmente em uma das suas paixões: o surf.

Em temporadas ele dava aulas rápidas tanto para crianças quanto para adolescentes e adultos e todos adoravam, subiam a serra se exibindo ao dizerem que sabiam surfar, mesmo que tivessem pego a menor onda do dia.

_Vou comer alguma coisa e já volto pra começar o trabalho. - disse pegando minha mochila, camiseta e tênis e indo pra dentro de casa.

Subi para o meu quarto para guardar as coisas e colocar uma bermuda confortável.

Já na cozinha, descobri um macarrão com molho vermelho ainda quente e devorei um prato cheio junto com uma limonada bem gelada.

Depois de satisfeito e da louça lavada, só pensava em dormir, mas ainda tinha algumas pranchas para terminar ainda hoje.

Enchi um copo de limonada e fui para a varanda.

_Alice acabou de ir embora. - ele disse pegando o copo que eu o ofereci.

_Pai. - disse sério colocando a mão em seu ombro. - Acho que você tá ficando louco, imaginando coisas.

Nós rimos e ele me deu um empurrão de leve.

Trabalhei o resto do dia pintando e desenhando em pranchas, parando as vezes para ajudar na parte de lixar e polir e ao final do dia tínhamos 6 pranchas secando, várias prontas para serem pintadas e mais pedidos.

_Ah, antes que eu me esqueça. - meu pai disse enquanto anotava em seu notebook os pedidos já prontos e os que tínhamos que fazer e eu arrumava as pranchas no pequeno galpão que tínhamos num canto do quintal. - A suposta garota que estou imaginando, encomendou uma prancha. Disse que você tem total liberdade artística.

_Essas pessoas são as piores. - reclamei guardando a última prancha e voltando para a varanda. - Falam que tenho liberdade artística e depois não gostam.

Ele riu das minhas reclamações e nós entramos para a sala.

_Vai sair hoje? - meu pai perguntou o que ele sempre pergunta quando quer sair com os amigos.

_Não.

_Ah... - ele disse e eu suspirei.

_Pai, não vou sair, mas você também não precisa ficar em casa. - disse sinceramente e ele me encarou. - Sei que sente que precisa me fazer companhia, mas se você ficar nós vamos escolher um filme ruim, eu vou dormir na metade e você vai ficar aí, reclamando. Então, não tô te expulsando, mas vai se divertir.

Ele sorriu e me abraçou, agradecido.

_Te amo, filho. - ele disse me soltando e eu sorri.

_Também te amo, agora vai se arrumar e vê se aproveita por mim. - eu disse e ele riu subindo para o seu quarto. - Não faça nada que eu não faria.

_Então estou ferrado. - ele gritou de volta e eu ri.

Já faz 8 anos desde a morte da minha mãe, mas meu pai ainda se sente culpado por me deixar sozinho para ir se divertir, mas quase sempre vai porquê eu o incentivo.

Minha mãe ainda faz muita falta pra nós dois, mas tenho certeza que ela estaria feliz por ver que ele está seguindo em frente e se divertindo.

Vou para o meu quarto e entro no banheiro para tomar um banho.

Tiro as poucas peças de roupa que uso e ligo o chuveiro antes de entrar de baixo dele.

Deixo que o fluxo de água forte e quente caia nas minhas costas lavando toda a tensão.

Fico naquela posição até perder a noção do tempo antes de me ensaboar, terminar de me lavar e sair.

Coloco uma roupa qualquer e vou para a cozinha comer o macarrão que sobrou do almoço.

A casa é grande demais para duas pessoas e está totalmente em silêncio, pois meu pai já saiu.

Como sentado no sofá da varanda vendo e ouvindo as ondas quebrarem na praia.

Sinto uma paz tão grande que não me imagino morando em qualquer outro lugar.

Termino de comer, volto pra cozinha e lavo o prato antes de subir para o meu quarto.

Antes de deitar escovo os dentes sabendo que assim que começar a ver algum filme vou apagar.

Ligo a televisão em um canal qualquer e me deito na cama.

Como tinha dito para o meu pai adormeço em menos da metade do filme e só acordo no outro dia com meu celular despertando.

Por nossos paisOnde histórias criam vida. Descubra agora