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Sereias no Continente Americano

É surpreendente a quantidade de histórias e lendas sobre sereias em continente americano, e vamos encontrá-las em lendas esquimós no Canadá, México, Brasil, Argentina e Chile, através de Iemanjá no candomblé, e nas lendas amazônicas sob a figura de Iara.
Entre os esquimós, Sedna é uma mistura de mulher e foca e é objeto de adoração entre eles através de cerimoniais de transe coletivo.
O mesmo aspecto de uma divindade importante no mito de criação de um povo, cultuada com rituais de transe e representada como sereias, vamos encontrar especialmente no Brasil nos rituais do Candomblé, na figura de Iemanjá.
Princesinha do Mar, Rainha do Mar, Rainha das Águas ou Dona Janaína, são alguns dentre os quase 30 nomes pelos quais é conhecida no Brasil. Seu nome deriva do iorubá Yèyé omo ejá, que significa "Mãe cujos filhos são peixes" (Verger, 1981, 190)
Camara Cascudo faz referência a sereias africanas como a Kianda, dos kimbundos e a Kiximbi, dos mbakas (Cascudo,L.C.,1948), mas é no Brasil que Iemanjá será identificada como Sereia, provavelmente por influência das lendas indígenas sobre a Iara. Existem muitas versões do mito de Iemanjá e as variações no culto se devem aos diferentes grupos étnicos de negros trazidos ao Brasil como escravos e aos modos de aculturação. O sincretismo com o cristianismo acabou por associar Iemanjá e a Virgem Maria nas figuras de NS da Conceição, NS das Candeias e NS dos Navegantes, principalmente nos estados da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Nas procissões Iemanjá é representada por uma linda sereia toda colorida e cuidadosamente adornada.
Na Bahia comemora-se a Festa de Iemanjá no dia dois de fevereiro com uma grande procissão marítima que começa de manhã bem cedo com a presença de milhares de fiéis, visitantes e curiosos. As "baianas" estão todas arrumadas, vestidas de branco, os barcos decorados e um clima de grande animação. Os barcos saem para o mar ao som de tambores, carregando seus fiéis e, principalmente, cestos de palha com oferendas para Iemanjá. A ela são oferecidos pentes, espelhos, perfumes, flores e bilhetes com pedidos que serão lançados em alto mar. Nesse momento as filhas-de-santo que estão no barco caem em transe. Finalmente os barcos regressam e no dia seguinte, se os presentes voltarem, acredita-se que o ano será ruim para a pesca, mas se Iemanjá aceitá-los então esse será um ano bom.

 Finalmente os barcos regressam e no dia seguinte, se os presentes voltarem, acredita-se que o ano será ruim para a pesca, mas se Iemanjá aceitá-los então esse será um ano bom

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Estes festejos encontram um interessante paralelo com a festa do Navigium Isidis em honra à deusa Ísis, ou Ísis Pelagia, senhora do mar e protetora dos navegantes. Essa festa era comemorada no dia 5 de março marcando a reabertura da navegação sob a proteção da deusa e o renovar-se de toda a natureza. Era comemorada também com uma procissão marítima na qual era oferecido à deusa um barco novo, purificado pelos sacerdotes e carregado de oferendas de todo tipo pelos fiéis. Segundo a descrição de Apuleio, abriam o cortejo mulheres vestidas de branco e adornadas com guirlandas, que jogavam flores, enquanto outras levavam espelhos e pentes para pentear a deusa, e outras ainda espalhavam perfumes e ungüentos. (Apuleio, XI, O Asno de Ouro)
Essa festa do mundo greco-romano foi muito popular até que com o édito de 395 d.C. o Navigium Isidis foi proibido, assim como todas as festas pagãs. Mesmo assim alguns escritores confirmam sua sobrevivência ainda nos séculos V e VI.
É digna de nota a semelhança desta festa de Ísis com a festa de Iemanjá, com suas procissões, rituais, roupas brancas, e oferendas dos fiéis para as Rainhas do Mar. Apesar de não se fazer nenhuma referência à sereia nessa passagem, não deixa de ser interessante notar que entre os presentes oferecidos estão espelhos e pentes os quais, como vimos, são elementos significativos da simbólica das sereias e também são oferecidos à Iemanjá.

Iaras e Botos

Os mitos e lendas do folclore indígena brasileiro também nos trazem inúmeras histórias de sereias que por aqui foram batizadas de Iara

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Os mitos e lendas do folclore indígena brasileiro também nos trazem inúmeras histórias de sereias que por aqui foram batizadas de Iara. Curiosamente elas são loiras, tem seus espelhos, estão sempre se penteando, cantando, e vivem em palácios ou cidades submersas. Camara Cascudo diz não ter conhecimento da existência de nenhuma sereia ou Iara na tradição indígena pura, e que tais lendas decorreriam da influência portuguesa que por aqui desembarcou com suas próprias lendas.
O que de fato parece pertencer ao imaginário indígena é uma outra entidade fantástica conhecida como Igpuiara, assim traduzido por Teodoro Sampaio: " ypú-piara, o que reside ou jaz na fonte, o que habita o fundo das águas. É o gênio das fontes, animal misterioso que os índios davam como homem marinho, inimigo de pescadores e lavadeiras." (Sampaio, T., 1928). Além deste monstro, vamos encontrar o ciclo da Cobra Grande ou da Boiúna, este sim um motivo bastante expressivo do imaginário indígena amazônico e do folclore colonial. Era um ser apavorante, uma serpente imensa sem pena de nada nem de ninguém, capaz de virar os barcos e afogar os banhistas. Com o tempo a Cobra Grande passou a ser chamada também por Mãe d'água, que é uma representação que vai facilitar o sincretismo com as lendas e mito do branco europeu e do negro africano.
Os navegadores portugueses trouxeram evidentemente muito das lendas de sereias ligadas à tradição greco-romana e européia, além de lendas próprias como as das Mouras Encantadas :
Eram filhas de reis ou príncipes mouros, reféns de soberanos cristãos, deixadas nas terras portuguesas para vigiar tesouros escondidos até que voltassem a dominar. Nessas histórias aparecem vários itens formadores da lenda: há uma mulher encantada que canta divinamente e oferece tesouros a quem dela se aproximar. Transforma-se sempre em cobras gigantescas, usa cabeleira longa e é de estonteante beleza. (Cascudo, L.C., 1948, 124)
Parece que da junção dessas matrizes imaginárias surgiu a Iara das lendas brasileiras com todo o feitio e os apetrechos da sereia estrangeira, embora na sua etimologia vamos encontrar um traço dessas origens nativas: Ig + iara quer dizer Senhor das águas, e não Senhora, talvez como um resquício do Igpupiara que é o homem marinho da nossa matriz indígena.
O ciclo do Boto também é muito antigo e interessante. Diferente das Iaras, o Boto não mata ninguém. Nos dias de lua cheia ele se transforma num belo rapaz e vem para as festas beber e dançar com as moças, causando irresistível fascínio nas mulheres. Namora elas e depois vai embora, deixando-as grávidas e apaixonadas. Usa sempre um chapéu na cabeça para que ninguém veja o orifício respiratório característico dos golfinhos. No Amazonas e no Pará, quando uma moça não sabe quem é o pai de seu filho, dizem que a criança é filho do Boto.
Desde a antigüidade os golfinhos colecionam feitos amorosos relatados na literatura greco-romana. Com freqüência surge associado a figura de Vênus (Afrodite), cujo sinal também aparece nos espelhos das sereias em muitas ilustrações. Com algumas variações, vamos encontrar lendas de botos e sereias também na Argentina e no Chile

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