Capítulo Dois

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"20 de junho, 1837

Eram pouco mais das seis da manhã quando mamãe me acordou e disse-me que o Arcebispo da Cantuária e o Lorde Conyngham estavam aqui e queriam me ver. Saí da cama com pressa, tropeçando em meus próprios pés e dirigi-me até a minha pequena sala de espera, vestida apenas com minha camisola fina de dormir. Fui sozinha. Encontrei Lorde Conyngham e ele me informou que o meu pobre tio, o rei Guilherme IV, já não existia e tinha dado o seu último fôlego doze minutos depois das duas da manhã. E assim, sou rainha."

Foram dias difíceis e complicados, com coisas em demasia para se fazer e aprender. Nunca pensei que não fosse ter tempo para questões corriqueiras como vestuário e alimentação, tampouco para ler um de meus romances favoritos. Meu nome agora era Victoria, sem o Alexandrina, Rainha do Reino Unido e Grã-Bretanha, aquela que as pessoas admiravam e colocavam sua fé.

Jurei que não iria decepcioná-las.

Não possuo mais tempo para vagar pelo meu quarto e espiar as janelas vez ou outra, ou simplesmente me perder entre os arbustos dos jardins e brincar de esconde-esconde com meu cachorrinho Dash.

A circunferência da coroa é exagerada e escorrega pela minha pequena cabeça, estragando o penteado complicado. Logo teria de me arrumar novamente, para o meu baile de coroação! Que loucura, eu ainda nem fiz minha primeira refeição do dia.

Só podia torcer para que tivesse canapés de salmão.

Depois das homenagens e cumprimentos animados por parte da aristocracia Inglesa – na qual a maioria era desconhecida para mim -, busquei ajuda na bebida, esperando que surtisse algo bom dentro de mim além de ansiedade e medo do que viria pela frente.

– Eu tomaria cuidado com a quantidade de champanhe, sua Majestade – diz um de meus conselheiros, Lorde Johnson. – Ouvi dizer que é capaz de fazer os homens contarem todos os seus segredos.

– Então estou mais do que feliz em não ser um homem, Lorde Johnson – tomo um gole da quinta taça, ou seria sexta?

Ele ri, se divertindo de minha piada e foi estranho. Ninguém nunca prestava atenção no que eu dizia e muito menos se deixava levar por piadas ditas com minha voz.

– Victoria, o que pensa que está fazendo? – atrás de mim o Sr. Conroy me repreende, puxando-me pelo braço até um canto do salão. – Largue esse champanhe, está caindo de bêbada. Um vexame!

– Como ousa me tocar? – ergo o queixo o máximo que minha altura diminuta permitia e o encaro nos olhos. Estava feliz em finalmente ser rainha e mandá-lo embora do meu palácio. – Eu sou a Rainha Victoria, Sua Majestade. Como ousa me tratar dessa maneira, John Conroy?

Ele me solta e eu tombo para o lado, me segurando a um vaso tão alto quanto eu. O homem que eu mal chegava a suportar me deixa sozinha, indo se prostrar ao lado de minha orgulhosa mãe, cujos cabelos loiros caiam em cascatas por suas costas. 

Respiro fundo e tento me recompor, ninguém podia me ver daquele jeito ou eu estaria arruinada na manhã seguinte. Sinto uma tontura tão forte que preciso fechar os olhos. Estou leve, fraca e vejo tudo dobrado. maldito champanhe! 

– Ei, moça, você não parece nada legal, hein?

O rapaz tinha uma voz engraçada e um jeito de falar que me encabulou, não entendi metade do que ele havia dito.

– É Sua Majestade, se não se importa.

Tento recuperar o pouco de dignidade que eu tinha ao endireitar a coluna e olhá-lo de cima a baixo. Era estranho. Nunca o vira antes. Se bem que eu não conhecia metade das pessoas naquele salão. Mas o garoto se destoava do lugar com sua camisa fora da calça e cabelos escuros bagunçados. 

–A famosa Rainha Vicky – ele sorriu e piscou o olho castanho para mim. Tinha a expressão gentil, como o de meu amado Albert. – Parece que pegou pesado na bebida.

– Não estou bêbada ou pesada, caro senhor. Estou lúcida o suficiente para notar que o senhor é um intruso.

Ele sente o alerta em minha voz e começa a se afastar aos poucos. Eu tento acompanhá-lo, mas ele se move rapidamente e eu ainda estava num estado crítico, como se o chão estivesse prestes a se abrir sob meus pés.

Consigo avistar o rapaz impertinente no jardim e ganho velocidade. Não entendo por que eu estava correndo atrás dele, o que pensariam de mim se me vissem agora? O que mamãe diria? Mas eu era a rainha, e tinha atitude o suficiente para lidar com os meus problemas. Sejam eles uma ressaca desagradável ou um garoto que estava no lugar errado.

Ele para abruptamente e me dá tempo de chegar perto dele e estender a mão para puxar seu ombro. Ele se vira e me encara com pavor, em suas mãos um relógio de bolso dourado emitia o som dos ponteiros, que se moviam a mil por hora.

Ao meu redor tudo ficou embaçado como a névoa na floresta ao amanhecer, além de frio e insuportavelmente escuro. Chego a conclusão de que eu devia estar desmaiando.

Mas estava enganada. O que era terrível, pois eu nunca me enganava.

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O diário secreto de VictoriaOnde histórias criam vida. Descubra agora