Introdução

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Introdução
Lúcio Cardoso
Jane Austen, como tantas outras famosas romancistas inglesas, teve
uma vida obscura e difícil, quase despida de repercussões exteriores.
Vivendo num meio acanhado, numa época de extremo puritanismo,
destituída de grandes atrativos femininos, estaria destinada a perecer nessa
sufocante atmosfera de mediocridade, se não fosse o seu incontestável
talento. A essa mulher cabe a glória de ter sido um dos primeiros elementos
criadores do grande romance inglês, que vem de Daniel Defoe e Samuel
Richardson, até os grandes romancistas do nosso tempo. Tudo o que pela
primeira vez surge no autor do Diário da peste em Londres e de Moll
Flanders, bem como no Richardson de Clarissa Harlowe ou de Pamella, e
que constitui propriamente esse caráter particular do romance inglês,
evidenciável posteriormente com tão soberba nitidez nos romances de
costumes de Fielding, Dickens, Charlotte Bronte, George Eliot, Thomas
Hardy ou George Meredith, já se encontra nos livros de Jane Austen. O seu
primeiro romance publicado foi Sense and sensibility, no ano de 1811. Antes,
porém, com o título de First impressions, ela tinha oferecido aos editores a
versão inicial de Orgulho e preconceito. É claro que o original foi
imediatamente recusado. Voltando ao silêncio do seu retiro primitivo, di-
vidindo-se entre os seus piedosos exercícios de cristã convicta e as pequenas
obrigações da existência burguesa a que se submetia, Jane Austen continua a
trabalhar no romance recusado. No ano de 1813 aparece finalmente Orgulho
e preconceito, onde é minuciosamente estudada a sociedade daquele tempo, a
mediocridade dos seus tipos, o ridículo dos seus hábitos, a vaidade e a tolice
de burgueses e nobres que o preconceito separava.
Rigorosamente construída, antes de mais nada essa obra era a
prodigiosa revelação do temperamento de uma romancista. Nada escapa ao
seu lúcido olhar, nenhuma fraqueza, nenhum ridículo dessa gente que ela
conhecia tão bem. Em 1814 aparece Mansfield Park, em 1815 Emma, e
afinal, como obras póstumas, Northanger Abbey e Persuasion, em 1818. Jane

Austen tinha desaparecido em plena glória, no ano de 1817. O seu admirável
talento fora reconhecido no país inteiro e as figuras mais eminentes do seu
tempo louvaram nela um dos grandes espíritos da época. Orgulho e
preconceito é sua obra-prima.
Depois disto os críticos levantaram muitas objeções contra os seus
livros, lembrando a inexperiência dessa moça obscura que ousara retratar
com tão feroz realidade a sociedade e os hábitos da velha Inglaterra. A sua
vida foi avidamente investigada e alguém chegou a lembrar que ela não
poderia descrever paixões, pois nunca as tinha conhecido. Novas vozes
ajuntaram que os tipos de homem dos seus livros eram completamente
falsos, destituídos de qualquer consistência.
O Mr. Darcy de Orgulho e preconceito, o mais bem realizado dos seus
heróis masculinos, segundo eles não passava de um simples boneco. Mas a
verdade é que apesar de tudo, os livros de Jane Austen atravessam os anos,
dotados de uma assombrosa vitalidade. É preciso acrescentar que não o
fazem como geladas relíquias de uma época desaparecida, como o desejam
tantos — mas ao contrário, pelo sabor de sua indestrutível atualidade.

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