VERDADE ENTRE CUECAS (2017)

Capítulo 4

1.

Como todo ser humano que vive em sociedade, vivemos sob normas, condutas, regras pré-estabelecidas por nossos ancestrais desde os primórdios. Têm o intuito de determinar o funcionamento de um determinado sistema e existe para manter a ordem através de proibições e prescrições que apontam os requisitos quanto a atitude de um indivíduo em uma sociedade.

Jogo pode ser qualquer competição em que haja regras. Pode envolver um único participante ou mais de um para jogar cooperativamente. A maioria dos jogos são disputados como uma forma de lazer e na teoria os participantes não deveriam focar a vitória como ponto essencial. Mas não é isso que acontece, ainda mais quando os jogos vão além do tabuleiro. E os que estão associados a emoções nem sempre são fáceis de serem jogados e o perdedor nem sempre fica conformado com a perda.

Quebra-cabeça também é um jogo. Começou no século XVIII com um cartógrafo que colou um mapa a um pedaço de madeira. É um jogo onde devemos resolver um problema juntando as peças. O raciocínio é imprescindível e bem mais importante que a agilidade e a força física. Os quebra-cabeças são normalmente utilizados como passatempo.

No jogo da vida, devemos viver sob as regras e tentar entender o quebra-cabeça, juntando peças que a cada dia recebemos do destino para serem montadas no tabuleiro de nossa passagem pelo mundo. Minha vida estava tão confusa que nem eu entendia o que estava acontecendo. Mas eu tinha certeza que um dia aquilo chegaria a um fim. Eu não tinha dúvidas disso. O problema era saber até quando aquele jogo, aquelas peças, permaneceriam soltas. Quando tudo aquilo ia finalmente fazer sentido? Para isso, foi necessário eu tentar enxergar não só a minha vida, mas a vida de pessoas que conviviam comigo. Para, quem sabe, dessa maneira, entender o comportamento daqueles que através da convivência desempenharam papéis fundamentais na formação da pessoa que eu sou hoje. Para entender claramente o momento em que uma linha tangente mudou o rumo da minha vida me mostrando que eu não era um cueca heterossexual, eu tive que analisar, através do que me foi contado, a vida de três pessoas importantes: Danielle, Paulo e Daniel.

Olhando para trás, parece que tudo aconteceu ontem, tudo começou na semana do bixo. No primeiro dia de aula na faculdade.

2.

Naquele dia eu lembro até hoje, eu estava usando um par de all star sem meias, berma (bermuda) jeans, regata branca e boné. Esse boné, inclusive, tinha sido presente de uma ex minha e acabou se perdendo no meio daquela confusão. Dani usava rasteirinha e um vestido soltinho, usava uma faixa no cabelo, linda demais. Quando eu conheci a Dani, eu não sabia, mas minha vida ia mudar para sempre.

Não demorou para Dani chamar seus amigos e eles me cercarem numa roda e começarem o trabalho. Ali perto do filtro onde eu estava bebendo água, tentando fugir da confusão, rasparam meu cabelo e pintaram minha cara. Me fizeram me humilhar nos faróis pedindo dinheiro. Até aí eu não me incomodei porque desde que eu me virei e encarei Dani nos olhos no corredor da faculdade eu me apaixonei por ela. Me deixei levar naquela brincadeira toda de mal gosto com o intuito de tê-la nos meus braços no fim das contas.

Assim que parava um carro, Dani e Michele gritavam:

- Vai lá, bixo!

E lá ia eu com aquele discurso:

- Por favor senhor, somos bixos da faculdade Metodista será que o Sr. pode colaborar com uma moedinha de cinco centavos, dez centavos? Foi tão caro pagar o vestibular que agora eu preciso juntar pra pagar a primeira parcela da mensalidade.

O pessoal ficava com dó e achando graça ao mesmo tempo e sempre desembolsavam umas moedas para ajudar. E as moedas, claro, iam para os bolsos das meninas. Quando esse último carro foi embora e eu entreguei as moedas para as meninas, elas estavam cutucando uma a outra e olhando na mesma direção, me virei curioso.