Nova Iorque - Emily Smith

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A sala estava fria. Nela apenas uma mesa metálica e uma cadeira, onde Emily estava sentada. Ela nem se atreveu a encostar-se na mesa, ou senão congelaria ao mínimo toque. A luz branca, pendurada no teto, oscilava refletida no metal e manchava a parede cinza de branco. Havia muitos motivos para que ela se sentisse desconfortável e ansiosa, mas Emily não sentia nada.

Seus olhos, vidrados, encaravam o chão, fixos no nada. Seu corpo não mexia um centímetro sequer. Não fosse o ar esbranquiçado saindo de sua boca ao expirar, e o som dos seus batimentos cardíacos quase estourando seus tímpanos, ela mesma acreditaria que estava morta. No fundo, ela queria estar morta.

Morrer seria muito mais fácil do que ter que explicar o que havia visto, poucas horas atrás.

O policial que a encontrara em seu carro, cerca de cinco quadras dali, entrou subitamente na sala, batendo a porta atrás de si, fazendo Emily pular na cadeira, assustada, arregalando os olhos, voltando à realidade.

- Senhorita Smith, correto? Emily Smith? - perguntou o policial, colocando alguns papéis na mesa, encarando-a sem realmente prestar atenção nela.

- S-Sim... - ela respondeu. A garganta arranhou, seca.

O policial colocou um gravador em cima da mesa metálica, um equipamento antigo, talvez o único que estivesse funcionando no momento. Ele apertou o botão vermelho e começou a falar, o mais calmo que conseguia:

- Oficial Davis, Departamento de Polícia de Nova Iorque, 23º Distrito. Hoje, dia 17 de Janeiro, encontramos Emily Smith, em seu carro, na esquina da 3ª Avenida com a Rua 98, em estado de choque, após deslizar na neve e colidir com um poste. Após acalmá-la, a encaminhamos para a sala de interrogatório, onde nos encontramos agora. Por favor, senhorita Smith, você pode nos contar o que aconteceu antes de perder o controle do carro?

- S-Sim... - ela começou, limpando a garganta para tentar falar mais claramente. - Nós fomos ao mercado, eu e meu... namorado... amigo... é complicado... Eu não queria ter brigado com ele, meu Deus, eu não devia ter dito as coisas que disse a ele! - lágrimas pendiam em seus olhos, lembrando dos últimos momentos com o rapaz.

- Por favor, senhorita, atenha-se aos fatos importantes, sim? - ele pediu, impaciente, enquanto ela tentava limpar as lágrimas e acalmar-se.

- Ele entrou no mercadinho... - ela respirou fundo. - Eu não o vi depois disso. Parecia que o lugar todo estava vazio, exceto... Exceto pela moça loira na caminhonete rosa. Lembro de estar tão brava que falei para mim mesma: "Olha só, que perua ridícula! Loira, em uma picape rosa? Você não poderia escolher bijuterias e carros ainda mais chamativos que esse? Só pode ser uma idiota, que casou com um velho rico, deu o golpe do baú e agora desfila por aí, toda ridícula!" Aquele brilho todo, nas correntes e pulseiras, achei tão desnecessário... Por que nós julgamos as pessoas sem ao menos conhecê-las, não é?

- Senhorita, por favor... - o policial começou a ficar irritado.

- Desculpe, desculpe... Juro que é importante! - respirou fundo novamente. - Estávamos só nós duas ali, na rua deserta. Aquela é a rua principal, cheia de lojas em plena tarde, e não havia ninguém, nem uma alma viva. Eu não achei estranho, até eu ver aquilo vindo em meio à neve, pingando algo gosmento, pintando a neve de vermelho. Eu me escondi, me abaixei no chão do carro e esperei, até que ele lentamente chegou até nós.

- Ele? Era um homem?

- Sim, estava desfigurado, o cabelo cheio de falhas, caindo, sangue por todo lado, suas roupas rasgadas e... verde.

- Verde? Como assim verde?

- Verde, oras... A pele dele estava verde! Mas era estranho, como se sua pele de cor natural estivesse derretendo, desfazendo-se e pingando!

Apocalipse: A morte da TerraOnde histórias criam vida. Descubra agora