Osaka - Ikeda Ren

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Em Junho daquele ano, Osaka sofreu com um dos maiores tsunamis que já assolaram o Japão. Não só pela força destrutiva da água, mas também pelos zumbis que vieram junto com ele. As criaturas esverdeadas não se afogavam, pior, atacavam os humanos mesmo em meio ao turbilhão de água e entulho que se arrastou por quilômetros.

As famílias sobreviventes tentavam, a todo custo, manter-se a salvo em suas casas. As janelas e portas estavam bloqueadas, mas ao menor sinal de alguém gritando mecanicamente por socorro, já chamava a atenção das criaturas, transformando a vítima quase instantaneamente.

Não se sabia, com certeza, por que eles agiam desta forma. Seria um vírus contagioso? Ou um som imperceptível aos outros, que apenas a vítima podia ouvir? Seja o que for, após o pedido de socorro, todos sabiam que não havia bloqueio suficiente nas casas que podia conter os zumbis.

Ren Ikeda, um bombeiro voluntário que morou ali na infância, preparava-se para resgatar as vítimas do tsunami, após a água baixar e sobrar apenas escombros da cidade. Vestiu a mochila com um paraquedas, e subiu no helicóptero que o deixaria próximo à praia.

- Ikeda, não deixe que eles encostem em você! - falou um dos soldados que o acompanhava, gritando em meio ao barulho dos rotores. - Coloque esta máscara, não sabemos se o contágio pode ser pelo ar... - disse, colocando a máscara em Ren. - Vou prender esta câmera em seu peito, para gravarmos e registrarmos tudo o que está acontecendo lá embaixo. Os vídeos irão direto para a central, para serem reportados ao Coronel no Egito, mesmo que não aconteça nada. Estaremos sobrevoando a área a cada 1 hora. Reúna os sobreviventes que conseguir no local de encontro, acenda os sinalizadores e diga para que esperem por nós para resgate. Entendido?

- Entendido, nos vemos em 1 hora! Não se atrasem! - riu, nervoso.

Saltando no momento indicado, sentindo um frio na barriga como nunca antes havia sentido, conseguiu abrir os olhos vários segundos depois, já conseguindo ver o local onde deveria pousar. Sua respiração acelerada estava mais evidente dentro da máscara, precisando falar consigo mesmo para acalmar-se e conseguir seguir os passos necessários para abrir o paraquedas e pousar corretamente.

Várias pessoas já estavam próximas do ponto de encontro, na praia, onde o helicóptero as resgataria mais tarde. Outros voluntários já estavam ali há algum tempo, reunindo os sobreviventes e prestando os primeiros socorros como podiam.

- Venha por aqui. - disse um homem, sem rodeios ou apresentações, quase sem dar tempo dele desprender-se do paraquedas. - Ainda precisamos resgatar as pessoas das casas há 5 quadras daqui. Siga por esta rua, já conseguimos fazer um caminho provisório entre os escombros, e traga para cá quem puder andar. Se não puder andar, deixe-os para trás e venha comunicar diretamente à nós. Temos 2 soldados de resgate na região, mas vão demorar a voltar. - e saiu em direção aos feridos.

- Entendido! - Ren falou animado, curvando-se em despedida ao estranho, mas ele já havia lhe dado às costas, apressado. - Sem problema, lá vou eu, primeiros passos, ao resgate! - repetia para si, tentando espantar o nervosismo.

Quanto mais adentrava a cidade, afastando-se da praia, mais pessoas encontrava. Presas nos andares mais altos dos prédios ou nos telhados das casas, acenando por socorro com panos e restos de roupas rasgadas. Ren fazia o possível para ajudá-las a descer dos andares altos, em meio aos pedaços de construções quebradas, carros tombados, água, árvores retorcidas, cadáveres e gosma de zumbi.

Por cerca de 3 horas ele seguiu o plano de resgate, que funcionava perfeitamente, levando os feridos mais graves para hospitais nas cidades não afetadas, junto de um acompanhante. Era um processo lento, mas eficaz.

Limpando o caminho como podia, Ren conseguiu alcançar um sobrado azul, cerca de 10 quadras longe da praia. Podia ver a marca na parede, até onde a água havia subido, quase ultrapassando a janela do segundo andar. A casa estava bem equipada contra zumbis, com placas de metal presas nas janelas e portas. O que lhe chamou a atenção foram as fortes batidas na janela do segundo andar, até perceber que o dono da casa estava retirando a placa que a cobria.

- Ei, senhor! O senhor está bem? Estou aqui para ajudá-lo, tem algum ferido? - Ren gritou, do outro lado da rua, enquanto juntava alguns escombros para fazer um caminho até a casa.

- Moro sozinho, não estou ferido mas preciso de ajuda! - gritou ele pela única fresta que conseguiu abrir na placa de metal. Estava visivelmente muito bem instalado. - Meu gato! Salve meu gato! - disse, segurando o gato com as duas mãos, pendurando-o para fora da janela. - Vou soltá-lo, por favor, segure!

- Ei, não, não, espere! - Ren precisou correr entre os destroços para alcançar o animal, antes que caísse no chão, cheio de pontas afiadas de ferro de construção. Ele segurou o gato nos braços, mas machucou a perna nos ferros, rasgando a calça na altura dos joelhos. - Aaaaaaah! Droga! - gritou de dor, enraivecido com o ato repentino do dono e feliz por ter salvo o gato. - Tudo bem, estou com o gato, agora preciso que o senhor...

- NÃO! NÃO! - o senhor começou a gritar e tentar fechar a fresta do metal na janela, antes de Ren conseguir pensar em um plano. - FUJA! FUJA!

O gato esperneou e arranhou Ren, até que ele não aguentou segurá-lo e o gato fugiu.

A respiração voltou a ficar evidente dentro da máscara quando ouviu alguém gritando "Me ajude" ao longe. Ele sabia que, a qualquer momento, algum zumbi apareceria para transformar a pessoa que gritava em um monstro que pingava músculos e pele derretidos. Tentou voltar pelo caminho que havia construído, até a praia, mas já era tarde demais.

As quadras ao redor estavam bloqueadas, milhares de zumbis seguiam em direção à voz que gritava por socorro. Ren rezava para que a máscara o protegesse de ser contaminado, ou que a ferida na perna não os atraísse, ou seja o que for que causava aquela reação. Ele não sabia o que fazer, ficou apenas parado, deixando os zumbis passarem por ele, sem ser percebido.

Ele tremia de medo, enquanto um daqueles monstros passou ao seu lado e olhou para ele, como se não fosse nada. No fundo estava feliz, pois se aquele fosse o momento em que morreria, estava gravado na câmera que carregava no peito, as milhares de pessoas que salvou... e um gato! Felizmente, não era.

- Ei! Ikeda! - falou uma voz, vindo de um alto falante. - Agarre-se na escada! - era o soldado no helicóptero. Ele desenrolou uma escada de corda que balançava freneticamente no ar, tentando equilibra-la o suficiente para alcançar o voluntário e puxá-lo para cima, em segurança. 

- Oh, graças a deus! Bem que minha mãe sempre dizia: "faça coisas boas, e coisas boas lhe acontecerão. É o carma!" O carma... eu fiz coisas boas... - falava consigo, ainda nervoso, sem tirar os olhos da escada, tentando pensar em uma maneira de agarrar-se nela.

- M-Me ajude. Me... ajude. - escutou de repente, muito alto.

- Oh, não! Não, você não! - Ren desabou, sem esperança, quando percebeu que o soldado que tentava ajudá-lo pedia mecanicamente por ajuda, transformando o helicóptero em alvo.

Após transformarem a sobrevivente, cerca de vinte zumbis atacaram o helicóptero, subindo pela escada de corda, que deveria ser sua salvação. O veículo desequilibrou-se com o peso, dois soldados atiravam, pendurados nas portas abertas, enquanto mais e mais zumbis vinham de outros lugares, atraídos pelo pedido de socorro no alto falante.

****

- Após isso, as gravações oscilam. Em uma delas podemos ver que o soldado que pedia ajuda no helicóptero foi empurrado para fora do veículo em pleno ar, e transformado em zumbi. Isso já não é novidade, visto que vários soldados ao redor do mundo estão sendo transformados após chegarem aos locais de resgate. - disse o militar, apontando para a tela na central.

- E os sobreviventes, Sargento Sato?

- Conseguimos enviar mais dois helicópteros, visto a dificuldade em alcançar a região, e resgatamos a maioria das pessoas, inclusive o senhor que solicitou ao bombeiro voluntário que salvasse seu gato. Depois desta moradora que pediu ajuda nas gravações, não tivemos nenhum outro caso de transformação que tenha sido testemunhada. De qualquer forma, os zumbis de Osaka já migraram para outras cidades vizinhas.

- Certo. Visto a atual situação, não posso dizer que podemos fazer alguma coisa contra estes monstros... O máximo que podemos fazer é cuidar dos sobreviventes, como se fosse um incidente de tsunami comum, e rezar para não sermos os próximos. Narre o ocorrido nas gravações, nos mínimos detalhes, e encaminhe a fita para o Egito.

- Agora mesmo, Tenente Aoki!

O sargento, após descrever o que viu nas gravações, enviou uma fita cassete para o Egito, com um adesivo colado na lateral, escrito "Osaka - Ikeda Ren".

Apocalipse: A morte da TerraOnde histórias criam vida. Descubra agora