Capítulo IV

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Meia hora depois, quando João Romão se viu menos ocupado, foi ter com o sujeito que o procurava e assentou-se defronte dele, caindo de fadiga, mas sem se queixar, nem se lhe trair a fisionomia o menor sintoma de cansaço.

— Você vem da parte do Machucas? perguntou-lhe. Ele falou-me de um homem que sabe calçar pedra, lascar fogo e fazer lajedo.

— Sou eu.

— Estava empregado em outra pedreira?

— Estava e estou. Na de São Diogo, mas desgostei-me dela e quero passar adiante.

— Quanto lhe dão lá?

— Setenta mil-réis.

— Oh! Isso é um disparate!

— Não trabalho por menos...

— Eu, o maior ordenado que faço é de cinqüenta.

— Cinqüenta ganha um macaqueiro...

— Ora! tenho aí muitos trabalhadores de lajedo por esse preço!

— Duvido que prestem! Aposto a mão direita em como o senhor não encontra por cinqüenta mil-réis quem dirija a broca, pese a pólvora e lasque fogo, sem lhe estragar a pedra e sem fazer desastres!

— Sim, mas setenta mil-réis é um ordenado impossível!

— Nesse caso vou como vim... Fica o dito por não dito!

— Setenta mil-réis é muito dinheiro!...

— Cá por mim, entendo que vale a pena pagar mais um pouco a um trabalhador bom, do que estar a sofrer desastres, como o que sofreu sua pedreira a semana passada! Não falando na vida do pobre de Cristo que ficou debaixo da pedra!

— Ah! O Machucas falou-lhe no desastre?

— Contou-mo, sim senhor, e o desastre não aconteceria se o homem soubesse fazer o serviço!

— Mas setenta mil-réis é impossível. Desça um pouco!

— Por menos não me serve... E escusamos de gastar palavras!

— Você conhece a pedreira?

— Nunca a vi de perto, mas quis me parecer que é boa. De longe cheirou-me a granito.

— Espere um instante.

João Romão deu um pulo à venda, deixou algumas ordens, enterrou um chapéu na cabeça e voltou a ter com o outro.

— Ande a ver! gritou-lhe da porta do frege, que a pouco e pouco se esvaziara de todo.

O cavouqueiro pagou doze vinténs pelo seu almoço e acompanhou-o em silêncio.

Atravessaram o cortiço.

A labutação continuava. As lavadeiras tinham já ido almoçar e tinham voltado de novo para o trabalho. Agora estavam todas de chapéu de palha, apesar das toldas que se armaram. Um calor de cáustico mordia-lhes os toutiços em brasa e cintilantes de suor. Um estado febril apoderava-se delas naquele rescaldo; aquela digestão feita ao sol fermentava-lhes o sangue. A Machona altercava com uma preta que fora reclamar um par de meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito mole sobre a sua tábua de lavar, parecia derreter-se como sebo; a Leocádia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar as comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa monologava, resmungando numa insistência de idiota, ao lado da Marciana que, com o seu tipo de mulata velha, um cachimbo ao canto da boca, cantava toadas monótonas do sertão:

"Maricas tá marimbando,

Maricas tá marimbando,

Na passage do riacho

O Cortiço (1890)Onde histórias criam vida. Descubra agora