Um

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Abro os olhos. Observo os galhos secos de uma pequena árvore acima de minha cabeça. Sento-me e vejo as várias lápides do antigo cemitério.

Passei o final da tarde e o começo da noite deitada aqui. Adoro o cemitério. Ele é antigo e as pessoas não o usam mais, por isso posso pensar e ficar sozinha o tempo que quiser.

Finalmente levanto-me e caminho para casa. Enquanto ando pelas ruas mal iluminadas, reparo a pequena cidade. As casas antigas e largadas dão a impressão de que as pessoas que aqui moram não se importam mais com reformas ou pinturas.

A cidade é pequena e com aspecto antigo. É bem dividida e marcada pelas pessoas. Uma parte é mais... digamos, habitável. As pessoas são boas e solidárias. Um lugar bom de se viver. Já a outra, no sul, é mais pobre e conhecida justamente pelos moradores rudes e egoístas. As construções são grandes e de madeira fedorenta. Há alguns prédios e apenas um cemitério, no qual eu passava minhas horas vagas.

Ou seja, praticamente o dia todo.

Entro em casa e vejo minha mãe dormindo no sofá com uma lata de cerveja vazia no chão, perto de sua mão caída. A televisão está ligada em um filme que eu poderia chamar de pornográfico. Reviro os olhos e sigo para meu quarto.

No meio do corredor a porta do quarto de Oliver, meu irmão, está entreaberta. Ele está lendo uma revista de jogos. Assim como eu, ele adora ler.

— Aonde você estava a uma hora dessas? — pergunta, levantando os olhos.

— No cemitério de novo. — me dirijo para meu quarto ao lado. Oliver aparece na porta.

— Não devia me deixar aqui sozinho. Não é nada fácil aturar a mamãe, principalmente quando está bêbada. — diz de forma dramática, fingindo estar ofendido.

— Pelo menos sou mais esperta e fujo antes dela achar uma lata de cerveja por aí. retruco, orgulhosa.

Oliver faz uma careta e volta para seu quarto.

Tomo um banho demorado e me arrumo para me deitar. Paro na porta do quarto de Oliver e o encontro deitado em sua cama, dormindo. A coberta está toda bagunçada e sua revista jogada no chão.

Vou até ele e ajeito a coberta, guardo a revista e dou-lhe um beijo na testa. Volto para meu quarto e finalmente caio no sono.

*

No dia seguinte, acordo cedo e me arrumo para ir à escola. Meu irmão já saiu e agradeço por minha mãe ainda estar dormindo. Tomo um rápido café da manhã e saio.

Chego na escola e corro para minha sala. Entrando, deparo-me com uma confusão. Gente correndo e gritando, bolas de papel voando. Um professor tenta tomar controle disso, sem sucesso.

Apenas duas cadeiras estão sobrando. Apresso-me para me sentar em uma no fundo da sala, quando esta é encharcada por refrigerante. Corro para pegar a outra que, por sorte, também está no fundo, sem refrigerante.

No momento em que me sento, o sinal da primeira aula toca. Realmente acho que todos se sentariam em seus lugares e deixariam o professor dar sua aula. Mas, após cinco minutos com o barulho cada vez mais alto, vejo o quanto estou errada.

Pego um livro em minha mochila e começo a ler. Termino a quinta página quando a porta na sala se escancara e uma senhora carrancuda que aparenta ter uns 50 anos entra. A diretora.

Estudo nesta escola há quatro anos e a diretora nunca havia entrado para brigar em minha sala. Mas eu não estava na mesma sala de sempre.

Esta é a primeira semana de aula do ano e, no primeiro dia de aula, olhei no papel pregado na porta da sala de meus amigos e vi que meu nome não estava lá. Olhei em todas as salas de segundo ano quando finalmente o encontrei. Meu nome estava escrito naquela sala. Não conheço ninguém daqui e não me encaixo. Sou uma boa aluna e muito calada. E com certeza, não pretendo me envolver com tantos.

A diretora deu a maior bronca em todos. No momento em que ela entrou, todos correram e se sentaram. Mal prestei atenção, já que não merecia levar bronca. Quando a diretora enfim saiu, o professor começou sua aula.

Um tempo depois, olho para a cadeira à minha frente. Um garoto está olhando para mim. Os cabelos negros e lisos são amassados por um boné preto. Os olhos negros escondem mais coisas do que qualquer um poderia imaginar. Parece ser uns dois anos mais velho que eu. Tem traços marcantes em seu rosto despreocupado, porém atento. Me sinto completamente atraída por ele. Há algo nele, eu não sei direito. Talvez por ser sombrio? Ou por ele ser muito, muito bonito? Percebo que eu o estou encarando por tempo demais, apresso-me em ao menos puxar assunto.

— Oi. — oi?! É só isso que eu tenho para dizer?

— Oi. — diz ele abrindo um sorriso bobo. E que sorriso lindo.

— Me chamo Alicia. E você?

— Allan. É nova na escola?

— Não. Mas mudei de sala este ano, por isso não conheço ninguém. — digo.

— Ah. Logo se acostuma.

Assinto e ele vira para frente.

*

Aquele dia havia sido longo e barulhento. Quando acabou, fui direto para casa. Não queria passar um minuto a mais com o pessoal de minha nova sala. Chegando em casa, lembro que minha mãe está trabalhando e meu irmão, na faculdade. Faço meus deveres e vou ouvir música quando recebo uma mensagem.

Deduzo que foi algum de meus amigos da antiga sala, mas logo vejo que estava errada. Abro a mensagem e leio:

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