Capitulo 1

27 5 2
                                    


Caminhava pela calçada portuguesa, sentia o frio entrar por entre os buracos minúsculos da minha camisola de algodão, olhava para toda agente e não via nada, pessoas sem interesse, todos iguais, vestidos com a roupa da moda, superficiais, plásticos, sempre com uma palavra negativa para dizer mas nunca uma amiga. Olhavam para mim com desdém, a rapariga estranha com o grupo estranho, com a roupa estranha e o mundo estranho dela. Mas para mim o que mais me fazia confusão era a falta de afeto que demonstravam pelos outros.

Sossegadamente com os livros num braço caminhava ao lado da rapariga que me acompanhava desde o 1º ciclo, Helena, conhecíamo-nos como a nós próprias, não tínhamos segredos, não existia crueldade, adorávamo-nos mutuamente e não me imaginava sem ela, embora que ultimamente o questiona-se. Será que faria falta? Será que importaria eu ali estar? Quando ela esta vidrada no pequeno aparelho que lhe roubava horas de vida. Animadamente, olha para aquele ecrã, teclando sem parar para alguém que ela pensa, ouvi-la e gostar mais dela do que qualquer pessoa ao seu lado fisicamente, acho que o conheceu por alguma rede social de namoros e agora diz não conseguir imaginar-se sem ele, embora nunca tenham convivido pessoalmente, nunca tenha visto a sua cara em movimento, o cabelo a despentear-se e nunca tenha sentido o seu toque.

Sem me aperceber perdida no meu mar de pensamentos chegamos á escola, passamos o portão e num ápice estamos na sala de aula acompanhadas pelos nossos colegas e o nosso professor de português, um homem carrancudo, á moda antiga, com uma camisa desfraldada e por engomar enfiada nas calças amarelas-torradas com uma perfeita dobra no final, olhava para nós e julgava-nos uma juventude perdida e de certo modo também eu concordava com ele nesse assunto.

- Bom dia alunos imprudentes. – Diz-nos como habitualmente.

Entretanto começa a debitar a matéria, que para ele está sempre atrasadíssima. Perdi-me nas suas primeiras palavras embora não deixa-se de olhar para a sua figura inquieta, Helena rabiscava algo no seu caderno, sem tirar apontamentos, sem prestar atenção, ficava feliz quando a via assim, livre. Raramente a observava de outra forma se não de cabeça baixa a olhar para o telemóvel.

A aula passou lentamente, entre algumas conversas com a minha colega de mesa e alguma atenção prestada ao discurso do professor. Saímos da sala rapidamente, dirigimo-nos quase automaticamente para um banco perto de uma árvore, sentamo-nos e Helena já agarrava no telemóvel. Pensava incansavelmente num assunto, algo que a tiraria dali, que fosse interessante para ambas.

- Sempre vais á festa amanhã? – Perguntei

- Não sei, talvez... - respondeu-me sem tirar os olhos do ecrã.

- Estou farta de te ver agarrada a isso.

- Deixa de ser chata Júlia! Que coisa... - reclamava enquanto punha os headphones para me conseguir ignorar melhor.

Levantei-me e decidi ir fazer um percurso que já não fazia á imenso tempo, desde que a Helena tinha descoberto aquele banco debaixo da árvore que lhe proporcionava o conforto ideal para estar no telemóvel, andei enquanto olhava para a estrutura que não mudava á anos da nossa escola. Desta vez pude apreciar toda a melancolia daquele caminho também um pouco da solidão apercebi-me do quanto sozinha estou, tanto com ela ou sem ela, tanto com toda a população da escola como sem ela.

Distraída vi um grupo de cerca de 5 pessoas ao fundo sentadas no chão com uma postura relaxada, divertida e o que mais me chamou á atenção era a forma como conversavam, como se nada os pudesse impedir de expressar e discutir as suas opiniões. Não sei se fui eu que fiquei demasiado perplexa a olhar para o grupo ou eles que me acharam também estranha, mas calaram-se ainda com um sorriso nos lábios para mim.

Olhei para eles e sorri também, andei devagar passando a aproveitar todas as energias positivas que transmitiam, consegui ouvir os risos e as conversas deles e por momentos ambicionei fazer parte daquele grupo. Passei o resto do dia a pensar neles, no que será que fariam, no que falariam, no quanto se deviam divertir.

Voltei para casa ainda com o grupo no pensamento e chateada com a minha amiga de infância, rodeada de imensos alunos que seguiam o mesmo percurso que eu. Ao chegar a casa estava sozinha, como habitual, tirei a chave debaixo do tapete e abri a porta negra, deitei-me no sofá e fiquei simplesmente a olhar para o tecto enquanto pensava no quanto a minha vida era entediante, que não tinha um propósito, mas queria encontra-lo, não me contentava com esta monotonia e ignorância.

Nuvem de FumoOnde histórias criam vida. Descubra agora