A leveza de voos rasos

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Um dia sonhei em ser grande, minha mãe disse: 'não tenhas medo de voar mais alto do que podes ver!". Fiz de tudo, fortaleci os músculos, aprendi os uivos do vento e voei pela primeira vez, ainda tremulo, tive certeza. O primeiro planar a gente nunca esquece.

Porém, não era hora de parar, revigorei-me a ir mais alto, chegar mais longe e, algumas vezes, cair faz parte. Mais alto, mais distante, mais sozinho, mais quente e rarefeito.

Um dia apresenta-lhe atalhos, doçuras em meio a caminhos tortuosos, levezas a par de fervor, elevador ao invés de escada. Qual é o preço da integridade?

Cai mais uma vez, pela convicção que o peso dos atalhos são mais severos do que o chão que por tantas outras vezes já levantei. Já estou acostumado com o frio do chão, da poeira que realça ao voo que se ergue, ao suor emanado do recomeço. Já estou acostumado a realinhar meu plano de voo. Mas nunca me acostumei aos falsos e covardes, aos saciados, aos injustos, aos que derrubam. Não me acostumo a ver de cima, a hipocrisia, ao disparate, as leviandades, aos que são mais fortes por serem fáceis e quebráveis, aos que são imortais por serem insensíveis, aos que são poderosos por serem levianos.

Prefiro o peso de minha ética a leveza de voos traiçoeiros. Prefiro a leveza de voos rasos ao alcance de léguas putrefitas. Prefiro o meu voo. Sou o meu voo e nada mais.

Poemas e poesias aleatóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora