Na imaginação das crianças, o dia das fadas provavelmente começa com o canto de um sabiá, a melodiosa risada de um bebê ou um amanhecer florido e tranquilo. No entanto, a realidade é bem diferente. Mais especificamente, uma travesseirada na cara.– Acorde, Sagi! – berrou Merana – A Cerimônia do Solstício já vai começar!
Estava tão animada para aquele dia quanto um cordeiro a caminho do abatedouro. Sabia que era importante. Que era essencial. "O único dia em que eu poderia fazer algo pelo reino", como a Fada Sydän diria. Apesar disso, a simples ideia de poder estar em outro lugar, sendo livre para fazer minhas próprias escolhas, transformava qualquer raio de sol em trevas mais escuras que o ébano. Não sentia que Marigold era meu lar, e sim uma prisão.
Mas as outras fadas jamais poderiam compreender isso. Mesmo sendo espectadoras eternas de um mundo passageiro, mesmo trazendo a luz sem qualquer reconhecimento, contentavam-se com suas simples funções. Para elas, ser uma fada era o máximo, mas, para mim, tudo se resumia a um ciclo vicioso: trazer a primavera, o verão, o outono e o inverno. Que vida mais patética.
Eram muitas as coisas que eu queria dizer, mas como toda fadinha obediente e bondosa, respondi apenas:
– Vá te catar, Merana! Me deixe dormir!
Um pouco rude, se considerar que estava falando com minha melhor amiga, mas nada me irritava mais que a sua alegria matinal. Só faltava despertar com um arco-íris e um coral de anjos.
– Nada disso, preguiçosa! Hoje é o seu dia!
Merana era a fada mais responsável e altruísta de Marigold, bem como aquela que despertava o melhor de mim. Por vezes, desejei tê-la como companheira na minha missão, mas isso não era possível. Ela era uma Fada Kesanina Austral, responsável por trazer o verão ao Hemisfério Sul, enquanto eu era o seu completo oposto.
Com muita dificuldade, vesti-me para a Cerimônia. Em menos de dez minutos, já estava sentada em uma das primeiras cadeiras do Salão das Hortênsias, onde ocorriam as festividades, aguardando "ansiosamente" pelas palavras da Fada Sydän, nossa Rainha.
Assim que o vitral amarelado do Salão ganhou uma coloração azulada, todo o burburinho antes instalado cessou. Era ela. Suas asas cintilantes, o vestido alvo como a neve e a coroa cravejada em pedrinhas cerúleas guiaram-na em uma valsa graciosa rumo ao chão. O momento que todos aguardavam chegou: aquele em que poderíamos "ouvir sua doce voz apresentar a Cerimônia."
– Bom dia, minhas queridas fadas! – saudou a plateia, recebendo um turbilhão de aplausos. – Fico muito feliz em estar aqui, apresentando mais uma Cerimônia do Solstício.
Fala sério! O mesmo discurso dos anos anteriores?
– Para começar, gostaria de relembra-las da nossa origem, o motivo que nos trouxe até aqui. – utilizando um pouco de sua magia, a Fada Sydän reproduziu uma série de imagens que contavam nossa história. – Há muitos anos, quando ainda tinha-se as estrelas como guias, uma semente de arco-íris caiu do céu, junto às margens de um rio.
"Ela se desenvolveu e deu origem a uma árvore com propriedades especiais. Ao invés de frutificar, como qualquer outra, dela nasceram fadas: pequenos seres cintilantes que tinham as flores como moradia. A elas foi confiada a responsabilidade de guiar a passagem das estações.
"Muitos anos depois, um estudioso finlandês descobriu indícios da nossa existência e nos apelidou. Chamou a Rainha das fadas de Sydän, o que significa "coração". Deu às fadas invernais o nome de "Talvinas", em homenagem à palavra finlandesa para inverno, talvi. Nomeou as fadas do verão "Kesaninas" por conta da palavra finlandesa kesäaika, equivalente a verão, e assim por diante.
"Esse mesmo estudioso quis fazer experiências conosco e, nesse processo, machucou dezenas das nossas. É por isso que, ainda hoje, permanecemos atuando em segredo. Uma só palavra poderia significar a nossa ruína.
"Mas hoje reunimos-nos aqui para celebrar uma ocasião especial: a chegada do Solstício de Inverno ao Hemisfério Norte, trazido pelas Fadas Talvinas Setentrionais. Vamos aplaudi-las, pessoal!"
Tentei sorrir quando Merana bateu palmas para mim, mas falhei. Não encontrava sentido em celebrar quando não estava realmente feliz.
– Sem mais delongas, vamos desejar boa sorte às nossas fadinhas!
Após forçar mais um sorriso com as ovações do público ao fundo, me dirigi à plataforma de liberação do Salão, através da qual partiríamos para a Civilização e levaríamos o inverno.
Não poderia expressar em números a quantidade de vezes em que desejei uma aventura. Algo diferente. Qualquer mudança. Porém, nada aconteceu.
Estava na hora. Era a minha vez. Buscando dentro de mim a disposição para fazer o necessário, pensei:
"É isso. Hyde Park, aí vou eu."
Um segundo depois, meus pés já não tocavam o chão.
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Melodia de Sonhos e Estrelas
FantasyCONTO VENCEDOR DO DESAFIO 02 DO PROJETO CONTOS // 22 de dezembro. Um dia que não deveria significar absolutamente nada para um ser humano e absolutamente tudo para uma fada talvina. A rotina da Sagi era a mesma de sempre: trazer o inverno ao hemisf...