Devoção (2-2)

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- Jongin, há quanto tempo não vês a tua família?

- Quatro anos. – respondeu o recente tenente com uma simplicidade extraordinária, digna da calmaria de um homem ariano – Mas tenho intenções de a voltar a ver em breve. Devem estar a morrer de preocupação.

Era um dia normal de primavera, e o alemão e um dos seus colegas encontravam-se de frente para o portão de entrada do campo de concentração, à espera da nova multidão de judeus que viria dali a minutos para dentro. Com o tédio a alastrar-se entre eles, resolveram conversar um pouco para se distrairem.

- És incrível, caro amigo. Tens sorte de ao menos a tua família estar viva. A mim só me resta a minha irmã, que está casada com um médico qualquer. – o outro suspirou; um suspiro fraco e cansado. Ajeitou o pesado capacete antes de falar – Mas pelo menos só tenho de me preocupar com ela. E olha que já é uma dor de cabeça.

- Imagino. – o Kim fez um meio-sorriso, antes de visualizar uma folha com a nova lista de números das vítimas que entrariam dali a minutos. Olhou para o seu relógio de pulso e acenou com a cabeça – Está na hora! Abram as portas, imediatamente! – gritou para os soldados que se encontravam perto das fechaduras do enorme pedaço negro de metal; e com apenas um gesto brusco, o homem fez com que abrissem as grandes portas centrais, deixando entrar pelo menos cinco camiões enormes, carregados de judeus; estes que eram levados como se fossem animais de gado.

Não existia quase espaço dentro de cada compartimento, e para algumas pessoas era difícil quase respirar devido ao excesso de "carga" existente lá dentro e da fraca qualidade do transporte. Aliás, estes tinham um espaço tão escasso, e as viagens eram sempre tão longas, que por vezes existiam casos de defecações e vómitos involuntários, feitos devido ao medo, desespero ou somente por pura necessidade. E quando um judeu era levado para um campo de concentração nunca mais voltava: por isso todos os que se encontravam dentro dos vagões sabiam muito bem os seus aterradores destinos. Muitos choravam durante todo o caminho – onde ainda podiam ter o direito de possuir sentimentos e serem humanos – enquanto que outros iam de cabeça baixa e mudos, de olhos fixos no vazio ou no passado, tentando talvez estabelecer uma linha entre a realidade e o horror que os esperava. Porém, para os nazis aquelas imensidões de população, a serem carregadas quase que diretamente para as suas mortes, era algo semelhante à visão de um troféu – demonstrando que todo o fruto dos seus trabalhos estava a dar certo e que a raça ariana estava a prevalecer de uma maneira extremamente positiva.

O olhar de Jongin percorreu cada um dos transportes, apenas para se encarregar de que nenhum rebelde tentasse a sua suposta fuga. Fazia uma contagem rápida ao ver cada alma a sair daqueles vagões, um a um, com olhares digno de um felino à procura da sua presa. Não se espantou quando uma indefesa mulher caiu de um dos vagões ao tentar sair com o filho pequeno nos braços, fazendo todos os nazis ali presentes repararem na sua presença. Caminhou até ela lentamente, fazendo questão de aguçar o som desesperante das suas botas de guerra, aumentando o terror nos olhos da judia – esta que agarrava firmemente o bebé contra o peito, tentando fazer com que este não chorasse num momento tão inoportuno.

- Minha senhora. – o alemão quase que sorriu sadicamente ao constatar que a judia aparentava segurar lágrimas apenas de o fixar – Se voltar a cometer outro erro semelhante, terei de lhe retirar essa criança incomoda.

- Não! Por favor, o meu filho não! – a mulher berrou, surpreendendo todos os ali presente com a sua coragem.

O nazi não conteve a sua raiva; aquele dia estava ser demasiado chato, na sua opinião. Tudo o que ele queria era divertir-se um pouco com aquela vítima tão fácil. Afinal, todos aqueles judeus que se encontravam ali iriam morrer de qualquer das formas.

o que o tempo não cura; kaisooOnde histórias criam vida. Descubra agora