Te amo, mas por favor... comece a namorar.

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Te amo, mas por favor... comece a namorar.

Consciência

Ao chegar, ela aparentava estar calma. Tirou seus óculos e os colocou em cima da mesa. Desceu do salto alto e com o pé esquerdo empurrou os sapatos para o canto. Sua fisionomia expressava tranquilidade, mas de repente ela veio para cima de mim e começou a me empurrar. Descontrolada ela aumentou a sua força e começou a me agredir.

- Calma – eu disse tentando segurar os braços dela. “Em uma situação como essa nós nunca conseguimos imaginar o desfecho. Como isso irá terminará?” - pensei enquanto ela vinha para cima de mim com mais força.

- Você acha que é fácil? Eu não deveria estar aqui!– Ela falou enquanto me dava alguns tapas.

“Como foi que chegamos a esse ponto?” - pensei no momento que olhava para os seus lindos olhos.

Aos poucos sua movimentação começou a ficar mais robusta e sua força aumentando. “Você é o culpado por isso! O responsável por tudo o que está acontecendo é apenas você!” Ela disse enquanto ia me esbofeteando. De repente diminuiu a sua agitação, abaixou os braços e começou a chorar.

“Não descarto a chance de ela estar correta, é possível que o culpado de tudo isso seja eu” – cogitei tristemente em minha mente. Achei por bem não me defender mais, e colocando as duas mãos nos bolsos eu fiquei disposto a receber aquela sincera agressão. Talvez eu realmente fosse merecedor daquilo, já que não era a primeira vez que acontecia algo parecido comigo.

Confusa ela começou a me atacar novamente. Não foram duas ou três bofetadas que levei, mas várias. Algumas atingiram os ombros, outras os braços, sendo que não faltaram tapas ardidos certeiros em meu rosto. Ainda que existisse nesses ataques uma dor física, não era ela que mais me causava dor. Os piores machucados eram provenientes das melancólicas feridas que açoitaram os sentimentos, e não das pancadas na carne. Algumas palavras proferidas por ela ocasionaram uma dor bem maior. Nenhuma agressão física se iguala à tristeza que magoa a alma.

Atrapalhada e descontrolada ela acabou acertando meu nariz, que imediatamente começou a sangrar. Paralisada agora, com aquele lindo rosto coberto pelo pranto, ela aproximou as mãos da minha face e me pediu desculpas, momento que ficou mais evidente que ela passava por um grande transtorno mental. Tremendo ela se aproximou de mim e limpou o meu nariz com a camiseta que estava em cima da mesa, enxugou o rosto em seu lindo vestido e, ajeitando o meu cabelo, aos poucos começou a se aproximar de mim.

Ao entrar em contato com as lágrimas, a maquiagem acabou por desenhar em seu semblante angelical uma linda e triste figura. “Estou horrível!” – ela disse recuperando o fôlego.

- Está ainda mais fascinante – falei a ela, confuso, com o espírito abatido.

Aos poucos ela voltou a arrumar novamente o meu cabelo, só que agora com carinho. Repentinamente ela parou aquele agradável afago, abaixou a sua cabeça e cobriu o rosto com suas mãos, desandando a chorar. Como uma forte chuva de fevereiro, o pranto foi intenso e os soluços apareceram no meio da angustia. O pranto era intenso e doloroso.

- Calma, tudo vai ser resolvido, tenha apenas um pouco de tranquilidade – eu disse a ela enquanto colocava a mão direita em sua nuca e a puxava em direção, encostando com o maior apreço do mundo o seu rosto em meu peito. Apesar de ter falado isso eu não tinha a menor noção de como as coisas iriam se desenvolver dali para frente. Colocar a sua face em contato com o meu coração só fez o seu choro ficar mais forte. Suavemente ela tirou as mãos de seu rosto e as colocou em minhas costas, me abraçando com muita força.

Eu, que acreditava estar sentimentalmente blindado, que carregava a convicção plena que já tinha sofrido por amor tudo o que um ser humano podia sofrer, que achava possuir no peito uma rocha inquebrável, comecei a perceber a fragilidade humana presente em mim. Com a mais preciosa das pérolas chorando encostada no meu peito, o meu pranto veio à tona. Ainda que em uma intensidade bem menor que a dela, não foi possível represar a manifestação direta do meu coração que se traduzia em lágrimas. “Não posso mostrar a ela que eu estou frágil, devo aparentar que tenho o domínio da situação” – pensei enquanto tentava segurar o meu choro. Ela tentou se separar de mim naquele instante, mas como eu não queria que ela visse a minha fraqueza, não permiti segurando-a com força. Em alguns segundos eu recuperei o fôlego, instante que eu afrouxei os meus braços que até o presente instante estava lhe abraçando fortemente. Aos poucos ela se distanciou centímetros de mim e ficou apenas me olhando por alguns segundos. Agora com o espírito mais tranquilo e com a melancolia se esvaindo, ela voltou a passar delicadamente a mão no meu rosto.

Te amo, mas por favor... comece a namorar.Onde histórias criam vida. Descubra agora