07 - Estreia

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Quanto tempo leva para que algo aconteça? É uma pergunta que costumamos nos fazer quando esperamos. Pode ser a formatura, uma ida ao médico, um filme, qualquer coisa. Quanto tempo leva para que eu consiga um emprego? Ou quanto tempo leva para que eu consiga fazer essa corrida sem me cansar? As pessoas pensam muito em tempo. Querem que as coisas aconteçam o mais rápido possível, mas também têm medo de que as coisas aconteçam todas de uma vez. Se tudo acontecesse agora na sua vida, como se sentiria com isso? O que faria depois que tudo acontecesse? Esperar faz bem ao espírito humano.

Allan sabia disso.

Tinha que esperar. Tentara falar com Michelle mais algumas vezes, mas a cantora nunca respondia os seus recados que deixava na caixa postal e, aparentemente, nunca estava em casa quando ele ia lá – embora sua motocicleta estivesse no estacionamento do prédio.

Então, o escritor esperou.

Não podia fazer muito mais do que isso. Uma vez ou outra encontrara a moça, mas não a encontrara. Nos bares, enquanto cantava, não conseguia falar com ela. A 4 Spiders estava fazendo mais sucesso desde que começaram a gravar o EP e isso não deixava que ele se aproximasse dela. Muita gente na sua frente, maiores ou mais desesperados – ou os dois – pela atenção da banda.

Allan se tornou recluso mais uma vez. Esperando que as coisas melhorassem e que a amiga tomasse atitude e voltasse a falar com ele. Ele tomou esse tempo para digitar sua nova história, a história que ela tinha ajudado a criar. Levou algumas noites a fio escrevendo sem parar, mas ele terminou.

Um longo mês de trabalho e o primeiro manuscrito estava pronto.

Seu editor ficou bastante satisfeito com o resultado. Passaram mais algumas semanas revisando, editando, trabalhando em uma capa que agradasse ao público e ao autor. Não era um trabalho fácil, mas Allan estava animado. Seria seu segundo livro publicado. Tinha começado a gostar da atenção das pessoas para ele, sabia que era o que acontecia, mas nunca se imaginara gostando de estar com as pessoas – sempre pensara em si como um escritor recluso que reclamava o dia inteiro de suas frases que não se encaixavam.

Allan mudara.

Michelle o mudara.

Não se sentia tão diferente do que era quando chegou àquela cidade, mas sabia que tinha mudado. Agora não tinha problemas em se passar por Corvo nos bares e boates. Encontrava pessoas, conversava com elas agora com uma facilidade que achava ter só com seus personagens. Isso, com certeza, mudou sua vida sexual, não era mais tão tímido e passara a rir junto das histórias que seu editor contava. Conhecia mulheres nas festas e, ocasionalmente, se deitava com algumas delas. Não era um mulherengo, nunca seria. De certa forma, por mais que tivesse mudado, ele ainda era Allan Monteiro. Um rapaz do interior que tinha histórias para escrever e queria conhecer tantas pessoas quantas fossem necessárias, mas nada mais do que isso.

Quando a noite de estreia chegou, Allan estava nervoso.

Tinha que fazer a leitura inicial do seu livro no evento, autografar edições, tinha que agir com cautela com as perguntas que faziam, responder com calma e não se desesperar. Esses pensamentos o deixavam ainda mais nervoso. Se acalme, ouvira tantas vezes das pessoas que estavam ali para ajudá-lo, mas ele não conseguia. Já tinha feito isso antes, mas só uma vez. Não tinha se acostumado com grandes públicos olhando para ele.

Nas últimas semanas ele tinha deixado uma barbicha crescer e ficava enrolando os dedos nela. Inconscientemente aprendera com o pai que isso poderia ajudar na concentração – Allan nunca prestara atenção de verdade quando ele falava sobre isso, mas as palavras do progenitor grudaram em seu cérebro. O terno o sufocava, não entendia porque ele tinha que estar vestindo aquilo. Ele se sentia tão mais confortável com suas roupas normais, um jeans e uma camiseta seriam tão mais fáceis de parecer naturais e ele provavelmente se sentiria melhor com aquilo tudo.

A livraria estava cheia, Allan sabia que tinha feito um bom primeiro livro, mas não imaginava que as pessoas iriam aparecer em um número tão grande para o seu segundo. Tinha feito um bom trabalho antes, isso o fez sorrir, então poderia se sair bem ali. Ele sabia que a nova história era melhor do que a anterior. Sabia disso. Não precisava, então, ficar tão nervoso.

Seus olhos percorreram o público. Homens, mulheres, adolescentes, alguns senhores e senhoras, alguns deles traziam o seu livro anterior nas mãos. Sorriam para ele. Ansiosos. Ele sentiu um aperto em seu peito ao perceber, Michelle não estava lá. Deixara um recado, mas ela não estava lá.

Ele se sentou a frente de todos, agradeceu a presença e tomou um copo de água antes de começar a ler. As palavras se atropelaram algumas vezes, ele causou algumas risadas com isso, desviando o nervosismo e se associando ao público. Tinha feito o melhor.

Quando terminou, as pessoas bateram palmas e começaram a se organizar em fila para que ele autografasse os novos exemplares. Tinha feito com que quisessem ler mais, Allan sabia como contar uma história, sabia até que ponto deveria contar para que eles ficassem interessados. Seu editor adorava isso, as vendas iam bem quando o autor sabia conduzir o público.

As pessoas estendiam os livros para ele, que assinava e sorria quando pediam fotos. Algumas pessoas lhe diziam coisas, perguntavam outras. Uma senhorinha até apertou suas bochechas, o que o deixou vermelho, ela lembrava sua avó e como ela fazia o mesmo. Aos poucos a fila ia diminuindo.

Quase no fim, uma garota se aproximou da mesa, não devia ser muito mais nova do que ele, tinha um envelope pardo nas mãos, além do livro dele, e estendeu para que Allan apanhasse.

— Eu não... — ele olhou para ela —... leio materiais, só escrevo.

A pele branca coberta de tatuagens coloridas – aquarela? Ele se perguntava –, os cabelos negros mantidos em um corte curto. Mas foram os olhos que o hipnotizaram. Um azul tão claro quanto às águas de uma lagoa. Um azul com tons de verde ou verde com tons de azul, uma piscina natural do mundo. Foram aqueles olhos que o deixaram bobo, que sumiram com suas palavras.

— Isso é pra você — a voz era doce. Allan se perguntava se seu beijo seria tão doce.

Ele abriu o envelope. Era uma ilustração feita em carvão. Aquela imagem era familiar. Um estalo. A menina ao lado da cama, enquanto outra criança era engolida por uma sombra na cama. Era uma ilustração de seu conto sobre o bicho-papão. Um sorriso se formou em seus lábios. Tinha escrito aquele conto há dois anos, pra uma revista digital. Foi o conto que chamou a atenção da editora e o permitiu escrever seu primeiro livro. Ele tinha um carinho especial por aquela história, mesmo tendo publicado outras antes na mesma revista.

— Eu li seus contos — ela sorria — Queria que ficasse com essa arte... E, se quiser, — ela se inclinou para ele — meu telefone está atrás.

Ela piscou para ele quando ele autografou a cópia dela e saiu, Allan precisou de alguns instantes para se lembrar de onde estava e que tinha que continuar autografando.

— Eu sei que ela é mesmo muito bonita — a voz dasenhora despertou sua mente — mas poderia assinar o meu livro?


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