A Ilha dos Perdidos - Capítulo 02

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Ela atravessou o quarto, passando pela estante ampla e assimétrica que revelava todas as bugigangas recém-furtadas - colares, luvas de pares diferentes e uma variedade de frascos de perfumes vazios. Abrindo as pesadas cortinas, de sua janela ela podia ver toda a ilha e sua monotonia.

Lar, estranho lar.

A Ilha dos Perdidos não era muito grande. Alguns diziam que era só um ponto ou uma mancha na paisagem, certamente mais marrom do que verde, com uma coleção de telhados de lata e cabanas construídas desordenadamente, barracos erguidos um em cima do outro, prontos para desabar a qualquer momento.

Do edifício mais alto da cidade, Mal olhava o movimento no entorno. Antigamente, aquele era um grande palácio com torres elevadas em espiral. Hoje era um local velho e precário, com a pntura descascando. Ali ficava o chamado Castelo da Barganha, onde vestes encantadas quase nunca usadas se encontravam disponíveis à venda em todas as cores e chapéus de bruxas quase inteiros tinham 50% de desconto.

Era também o lar de feiticeiras quase muito malvadas.

Mal tirou o pijama e vestiu uma bonita jaqueta púrpura com um toque de rosa em um braço e verde no outro, e calça jeans da cor de ameixas secas. Ela cuidadosamente colocou suas luvas sem dedo e amarrou os cadarços de seus coturnos desgastados. Evitou olhar o espelho, mas, se o tivesse mirado, teria visto uma pequena e linda garota de olhos verdes e amendoados, com um rosto pálido, quase translúcido. As pessoas sempre diziam o quanto ela se parecia com a sua mãe, geralmente logo antes de gritar e sair correndo. Mal sentia prazer com o medo dos outros, e até buscava por isso. Ela alinhou suas mechas de cabelo roxas com as costas das mãos e pegou seu caderno, enfiando-o na mochila junto das latas de spray que costumava levar com ela. Essa cidade não ia se grafitar sozinha não é? Em um mundo cheio de magia, talvez isso ocorresse, mas não era essa a realidade.

Uma vez que os armários da cozinha estavam vazios, como de hábito, e não havia nada na geladeira além de jarras cheias de globos oculares e todo tipo de líquido pegajoso de procedência duvidosa - tudo parte do esforço de Malévola para fazer poções e conjurar feitiços como antigamente -, Mal se dirigiu à Loja Enoja, do outro lado da rua, para tomar café da manhã.

Ela verificou as opções do menu - café negro-como-sua-alma, pingado de leite azedo, mingau de aveia com maçã estragada ou banana murcha, e cereal mofado, nas versões puro ou com leite azedo. Nunca havia muitas opções. A comida, ou melhor, os restos de comida vinham de Auradon - o que não parecia bom o bastante para aqueles esnobes era enviado para a ilha. Ilha dos Perdidos? Que tal Ilha dos Restos? Ninguém se importava muito, na verdade. Coisas como creme de leite e açúcar, pão macio e frutas inteiras e frescas faziam as pessoas amolecerem. Mal e os outros vilões banidos preferiam se manter durões, por dentro e por fora.

-O que vai querer?- preguntou um duende grosseiro, exigindo o pedido da menina. No passado, essas criaturas repugnantes haviam sido soldados do exército sombrio de sua mãe, enviados ao reino sem piedade para encontrar princesas desaparecidas. Agora suas tarefas haviam sido reduzidas a servir café tão amargo quanto seus corações, nos tamanhos gigante, grande e médio. A única diversão que havia restado era errar de propósito o nome do cliente, escrito com caneta na lateral de cada copo(a piada ficava só entre os duendes, já que ninguém sabia ler a língua deles, mas isso não parecia ter diferença). Eles continuavam atribuindo seu aprisionamento na ilha à sua aliança com Malévola, e todos sabiam que eles viviam pedindo anistia ao Rei Fera, usando seus distantes laços de família com os anões como prova de que não pertenciam àquele lugar.

-O de sempre, e faça direito - Disse Mal, batendo os dedos impacientes no balcão.

-Posso colocar leite azedo de um mês?

-Por acaso eu tenho cara de quem gosta de coalhada? Me dê o café mais forte e preto que tiver! O que é isso, Auradon?

Foi como se ele tivesse visto seu sonho, e aquilo a deixou incomodada.

O pequeno ser grunhiu, balançando o copo diante do nariz dela, e praticamente empurrou o recipiente em sua direção. Ela pegou o copo e saiu correndo sem pagar.

-SUA MIMADA! VOU FERVER VOCÊ NA CAFETEIRA DA PROXIMA VEZ! - gritou o duende.

Ela desdenhou -Só se conseguir me alcançar antes!

Os duendes não aprendiam. Também nunca encontraram a Princesa Aurora, mas, até ai, os tontos procuraram um bebê por 16 anos. Não é de admirar que Malévola vivesse frustrada. Era difícil achar bons capangas ultimamente.

Mal seguiu em gente, parando para zombar do pôster em que o Rei Fera pedia aos cidadãos da ilha que fossem BONS! PORQUE É BOM PARA VOCÊ! com aquela coroa amarela ridícula na cabeça e um sorriso no rosto. Era definitivamente nauseante e até meio assustador, pelo menos para Mal. Talvez a propaganda de Auradon a estivesse influenciando, e quem sabe tenha sido por isso que ela sonhara com o príncipe e o encontro à beira de um lago encantado naquela noite. O pensamento a fez tremer novamente. Ela tomou um gole de seu café. Tinha gosto de lama. Perfeito.

De qualquer forma, ela tinha que dar um jeito naquele pôster. Mal tirou as latas de tinta da mochila e fez um bigode e cavanhaque no rosto do rei, além de riscar aquela mensagem ridícula. Foi o Rei Fera quem os havia prendido na ilha, afinal. Aquele hipócrita. Ela tinha alguns recados para ele também, e todos tinham a ver com vingança.

Essa era a Ilha dos Perdidos. O mal vivia, respirava e governava a ilha, e o Rei Fera e seus cartazes horrorosamente gentis incentivando os antigos vilões do mundo a fazer o bem não tinham vez aqui. Quem queria fazer de um limão uma limonada quando podia fazer granadas?

Ao lado do pôster, ela traçou uma linha preta na forma de uma cabeça com chifres e uma capa aberta. E, sobre a silhueta de Malévola, escreveu O MAL VIVE! com tinta verde da cor de gosma de duende.

Nada mau. Pior. E assim era bem melhor.


Descendentes (1 e 2 temporada) • #HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora