0 - Something in the way

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Mais um dia como outro qualquer. Há alguns anos, costumava pensar que tinha o poder de mudar o mundo. Tempos depois, percebi que mal seria capaz de mudar a mim mesmo. Talvez por isso, naquela tarde, desviei de meu caminho para me sentar no velho balcão surrado de um pequeno refúgio para desesperados. Não que isto me atrasasse para algum compromisso importante, porém me admirava a sensação de chegar um pouco mais tarde em casa pelo simples fato de que, ao contrário de fazer absolutamente nada, faria, no mínimo, algo inútil.

Todos estavam acompanhados. Por um momento, me senti desconfortável e quis me levantar. Fui interrompido por um senhor de bigode branco que estava por detrás do balcão enxugando as mãos em uma pequena toalha verde. Assenti que sim ao me perguntar se tomaria alguma coisa, mas afirmei que estava esperando alguém.

Imediatamente, me arrependi.

Já inventou pequenas desculpas na tentativa de reafirmar ou negar fatos consolidados de sua própria personalidade? Ou porque lhe parece mais simples mascarar uma circunstância a qual não se queira, de fato, enfrentar?

Sim, é claro que sim. O isolamento era meu refúgio.

Costumava inventar mentiras para mim mesmo o tempo todo. Esta, em especial, me escapou sob a forma de uma situação ridiculamente solitária. Pensei em um modo de me livrar dos olhares de 'coitado-que-foi-rejeitado', mas percebi que o pior a me ocorrer seria ganhar uma dose de qualquer bebida barata de um dos rapazes ao lado como prêmio de consolação pelo fora fictício.

"Um brinde às amizades que surgem rápida e intensamente. E desaparecem do mesmo modo.", pensei soltando um pequeno riso de canto de boca.

Enfim, tive tempo o suficiente para escolher. Debrucei meus cotovelos sob o balcão que soltou um pequeno rangido, enquanto fitava um pequeno painel escrito a mão com toda sorte de opções. Por fim, pedi um daqueles destilados de batata com nome engraçado.

Quando o senhor de bigode se aproximou para entregar-me a bebida, pensei maldosamente que talvez sua toalha de enxugar as mãos não fosse verdadeiramente verde, mas estivesse apenas velha e suja o suficiente para parecer.

Que tipo de história um pequeno pedaço de pano velho nos contaria? Quem sabe narraria grandes amores que se iniciaram com apenas um olhar tímido. Quem sabe se alegraria em dizer que presenciou, ali, a formação de grandes amizades, planos e ideias. Quem sabe, até se orgulharia em contar que nunca foi lavada ou que alimentava sentimentos proibidos pelas mãos de outro bigodudo. Quem sabe.

Pela segunda vez naquela tarde, me senti desconfortável. "Apenas desligue-se um pouco e beba", pensei antes de tomar meu primeiro gole.

O álcool nunca me fora um grande conselheiro. Tampouco, nunca me serviu de boa companhia. Contudo, é como um espectro que preenche, por pouco tempo, um vazio que se oculta. Possivelmente, a melhor e mais barata forma de evasão.

Sinto minha língua formigar. Uma pequena gota de êxtase me faz querer continuar ali, naquele banco, para sempre. Meus pensamentos se tornam turbilhões. Chacoalho levemente o copo, observando o modo como a vodka que lhe resta no fundo se movimenta, de um lado para o outro, como um pendulo marcando o tédio.

Tomo meu segundo gole.

Neste instante, ouço uma música familiar surgir ao fundo. Tento identifica-la, mas não consigo. Neste ponto, local estava lotado de pessoas quase-como-eu.

Caso não esteja acostumado com esta espécie frequentadora de bares, posso descrevê-los: é do tipo que falam e riem extremamente alto, como se fossem os únicos há um raio de quilômetros. Dispõem-se em bandos heterogêneos, cada qual com seu próprio universo de interesses. Neste contexto, o salão se torna, rapidamente, uma convenção mista de indivíduos tentando compartilhar um momento de pouca lucidez.

Fecho os olhos por um instante, talvez dois. "A música, Going to California", respondo a mim mesmo enquanto tomo meu último gole. "Going California with an aching in my heart..."

Sinto que as coisas acontecem rápido demais e, as vezes, não acho nada legal. Mas porque estou pensando nisso?

Se alguém olhasse para mim, naquele momento, veria um desconforto recoberto em duas camadas. A primeira, e mais superficial, seria a imagem de um pobre rapaz, sentado em meio a um balcão, com as costas arqueadas e a cabeça baixa. Era como um ponto perdido em meio a uma pintura exposta em uma parede qualquer. É necessário tempo e interesse para percebê-lo. No entanto, o silêncio era minha camada de desconforto mais profunda.

Muitos olhares, muitas ideias, muito a se dizer e pouco interesse. O silêncio, de fato, é minha maior expressão de identidade. Comprei e paguei, com um sorriso no rosto, o título de pessoa mais introvertida do mundo por anos consecutivos, até meu psiquiatra desistir de mim.

Neste meio tempo peço, finalmente, outra dose. Enquanto estico meu pescoço, sinto todas as minhas vertebras se deslocarem. Levanto com certa dificuldade da cadeira, olho ao meu redor e avisto uma pequena porta de metal que, notoriamente, havia sido azul em seus anos de juventude e, hoje, não passava de um obstáculo opaco e enferrujado entre o bar e o banheiro masculino.

Ao dar o meu primeiro passo, percebo que talvez minhas limitações físicas momentâneas ganhem o título de etilismo precoce, dada minha capacidade de entrar em estágios alcoólicos avançados mesmo com esforços mínimos. No verão passado, percebi que fico bêbado quatro vezes mais rápido que meus colegas de faculdade e, acredite, eu contei.

Me desloco, desconsertadamente, próximo às mesas. Quinze passos ao máximo e, entre cada um deles, é possível ouvir três histórias distintas. Me aproximo da porta sem causar nenhum acidente, hesito por dois segundos e dirijo minha mão à maçaneta igualmente velha. Ao mesmo tempo, sinto outra mão se sobrepor à minha, empurrar a porta na minha direção e entrar às pressas no banheiro.

Já comentei que odeio as pessoas?

Alguns eventos simplesmente acontecem de maneira inesperada e abrupta. Outros, são friamente arquitetados pela estupidez humana. Nesta situação, fico inerte, próximo ao canto da parede, com a mão estendida e a mente vazia.

Uma mulher. Eu juro. É possível que tenha sido impressão minha, mas a mão que se estendeu era fina e, as unhas, esmaltadas de preto. Confesso que senti raiva e um pouco de vergonha. Não que a ofensa fosse baseada no fato do vulto ser uma mulher. Nunca me considerei um misógino. Pelo contrário, meu ódio é distribuído de maneira universal e igualitária. Às vezes, basta-me uma única situação ultrajante para entrar no clube de pessoas que admiro o suficiente para lhes desejar um sucesso descomunal, bem longe de mim.

Já se passaram dois minutos e continuo parado, de braços cruzados. A porta se abre vagarosamente. A senhorita sai como se precisasse se esconder. Era pouco mais baixa que eu. Tinha uma pele branca com rosto marcado por algumas poucas espinhas. O cabelo parecia escuro, talvez porque não tenha sido lavado há dias. Vestia um blusão preto, sem qualquer inscrição.

Ela para a minha frente e se assusta como quem já esperava ser pega. Volto meus olhos para os seus, pareciam tristes. Neste instante, me sinto um idiota. Penso em milhares de coisas para dizer. Não consigo, meu silêncio fala alto o suficiente para constranger a nós dois. Respiro fundo e dou um passo para o lado.

"Desculpe...", ela diz baixinho enquanto se afasta rapidamente.

Uso o banheiro e retorno ao meu balcão. Minha bebida havia chegado. Me sento e tenho uma estranha sensação de ausência.

Meu encontro, é claro! Minha admiradora secreta ainda não havia chegado. E por uma razão completamente perdoável: ela não existia.

Sempre me impressiono com minha capacidade de ficar triste, sobretudo por ocasiões que eu mesmo crio. Me sentia sozinho, infelizmente, mas nunca iria admitir.

Curvo minha cabeça e termino a vodka de uma só vez.

O álcool nunca me fora um grande conselheiro. Caso contrário teria me dito, depois da terceira dose, que seria prudente voltar para casa.

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Something in the wayOnde histórias criam vida. Descubra agora