Bom, meu nome é Aline e esta é a página duzentos e cinquenta e quatro do meu livro, mas eu rasguei todas as outras, o que torna esta a primeira.
Isto tudo não é algo de que eu deveria me orgulhar. Não é uma história decente nem nada disso — embora você encontre coisas piores sobre mim na rede.
(No redtube o nome é: Ninfeta Safada do Interior.)
Sou apenas alguém que se deu mal — e bota mal nisso. Fui vítima da informação momentânea, do WhatsApp, do Bluetooth — a gente sempre encontra um culpado. E se te consola — a mim nem um pouco—, em outra época seria apenas uma fita empoeirada à espera de um quatro cabeças. O VHS passaria de mão em mão e, com toda sorte do mundo, as idas e voltas, as incontáveis rebobinadas, condenariam a cópia. Um cabeçote degustaria a fita. Morreria ali, a minha obra.
Sem piranha vadia da internet.
(No Pornhub, acabei de digitar aqui, está: "Novinha Safada".)
Eu me mudaria para a cidade grande. Novos amigos, novo corte de cabelo, novo emprego. Escreveria um livro, cantaria numa banda cover dos Stones. Casaria com um cara estabilizado, desses que têm idade avançada e trabalha para o governo. Teria dois filhos. E terminaria os meus dias assistindo à Barbara Streisand em Funny Girl ou à Vivien Leigh em E o Vento levou.
(No YouPorn: "Safada do Interior#18#".)
O que mais me incomoda no vídeo é a posição — a maldita janela aberta revelou meu traseiro medonho. Para falar a verdade, não tenho tantas celulites e estrias assim. Foi tudo culpa da luz, da maldita janela. E aquela celulite que aparece a cada bombada, aquela gigantesca, até hoje não a encontrei. Todo dia procuro, e nada.
(Acabei de digitar aqui "Aline F. devassa"— esse é o nome no xvideos.)
Provavelmente, não sairei viva disso tudo. Um dia alguém encontrará esse caderno e conhecerá a história da pessoa mais azarada do planeta. Até lá, só quero acabar tudo de uma maneira decente. E antes que você me pergunte: é claro que eu não vi a merda da câmera!
Mudar pra cá novamente me ajudou um pouco — pelo menos não escuto aquele coro: piranha, piranha, piranha! Gosto do meu novo emprego, da vizinhança, do curso de pintura. Rancho Oeste é um lugar legal. Tem o pôr do sol mais sombrio que eu já vi, a maioria das pessoas sofre de Sun Down, mas é um lugar bacana.
Eu moro em cima de uma videolocadora, é na verdade uma espécie de loja de discos, livros, Dvs, mas o forte, em outra época, era locação de filmes. O prédio é antigo, construído há uns cinquenta anos, talvez, dois andares de cimento, fuligem e excremento de pombos. Em frente há dois prédios. O primeiro é mais velho que o meu e serve de outdoor — cartazes velhos da USTOP, da Estela Barros Turismo e a magia Mickey Mouse; homens viris montados em alazões, enrolados numa cortina de poeira (Marlboro), magricelas descalças com camisetas regatas (Vogue). No andar de baixo, duas salas vazias e empoeiradas. Uma tinta fresca repousa no outro prédio. Na parte superior, uma loja da Fórum e uma perfumaria; no piso inferior, uma barbearia e um bar.
Eu cresci aqui nessa pequena cidade do Oeste Paulista. Tive uma infância tranquila até a morte do meu irmão. Encontramos o corpo dele dentro do guarda-roupa, dois dias depois. Asfixia erótica. Então nos mudamos (eu já disse tudo isso anteriormente, mas como rasguei tudo...).
(#teencuckoldfucking# — hashtag do meu vídeo numa rede social de putaria.)
O que me encanta em Rancho Oeste é esse cheiro de mato com areia molhada. Essa coisa do interior. Abro as janelas no fim da tarde — todas as tardes — e deixo o crepúsculo de sangue violentar a minha mente. Acredito que isso seja uma espécie de acelerador para minha loucura, mas não me importo.
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Twittando com o Vampiro
VampireUm vampiro. Uma jovem esquizofrênica. Um assassino da Deep Web. Daqui a doze noites o mundo conhecerá o seu governante.