Emilie já estava se acostumando com o quarto hospitalar, afinal o hospital já era o seu lar há mais de duas semanas. Durante esse período, poucas pessoas foram visitá-la; a diretora de sua escola e alguns colegas de turma que levaram flores e balões motivadores. Nada muito fora do normal, pois Emilie sempre fora muito reservada e tentava manter-se o máximo possível longe dos grupinhos intimidadores. Tinha dias que ela simplesmente se esquecia de todo o ocorrido, já em outros, as imagens daquela noite voltavam de forma tão cruel e eloquente que mais pareciam garras afiadas prontas para arrancar o seu coração.
— Parece que o médico lhe dará alta hoje — disse Mercedes, entrando no quarto, sem se preocupar em bater na porta.
— Sério? Pensei que aqui seria minha nova casa! — disse Emilie, ironicamente.
Mercedes abriu as cortinas para que luz do sol penetrasse no quarto. Emilie olhou de soslaio e revirou os olhos em protesto.
— Olha, eu sei como deve estar sendo difícil para você...
— Agradeço sua sensibilidade. Mas não, você não sabe como estou me sentindo. — disse Emilie, interrompendo-a — A propósito, tem notícias do Gregg?
— Não vejo aquele moleque há alguém tempo — respondeu Mercedes.
— Ele nem ao menos ligou? — perguntou Emilie, apreensiva.
— Não. Nenhum recado na recepção.
Mercedes alisou o vestido vermelho rente ao seu corpo, caminhou até a poltrona e sentou-se de pernas cruzadas. Ela encarou Emilie por alguns segundos, suspirou e começou a falar:
— Talvez ele achou que fosse muita pressão namorar uma garota recém órfã, sem casa e com a saúde mental um tanto abalada.
As palavras de Mercedes atingiram Emilie, como um soco no estômago. A garota fechou os olhos e cerrou a mão boa em punho com força, sentiu as unhas perfurando a carne. Não esperava ouvir algo tão malicioso. Aos olhos de Emilie, Mercedes, às vezes, parecia ser uma boa pessoa, porém, de algum modo, simplesmente falava coisas dolorosas e isso, fazia a garota questionar: quem era Mercedes Campello até duas semanas atrás? O que uma mulher linda e jovem poderia querer com uma adolescente órfã, sem casa e mentalmente abalada?
— Para o seu bem, é melhor você esquecer esse garoto de uma vez por todas, Emilie — Mercedes falava calmamente. Sua postura sentada na poltrona era digna de alguém que pertencia à realeza. — Ele nem teve a capacidade de acompanhá-la ao funeral da sua mãe. Que tipo de pessoa é tão insensível ao ponto de abandonar alguém em um momento tão difícil?
Pela primeira vez, Emilie não sabia o que responder. Ela franziu o cenho e encarou Mercedes diretamente nos olhos. Respirou fundo e perguntou:
— Eu não entendo. Assim que ele soube do... do acidente correu para o hospital. Como ele pode ter mudado de opinião tão facilmente?
— Homens são confusos, minha criança, é a natureza deles. Mas uma coisa eu posso afirmar, não me tenha como inimiga, pois estarei sempre ao seu lado, Emilie.
— Então me ajude. Conte-me tudo que sabe sobre a minha mãe.
— Sim. Eu contarei. Mas na hora certa, pois sua vida nunca mais será a mesma a partir do momento em que você pôr os pés para fora desse hospital.
Emilie balançou a cabeça em afirmativo. Mesmo não entendo o motivo pelo qual Gregg se afastara, não queria mais pensar nele, pois já lhe causara sofrimentos demais. Seu foco agora estava em descobrir coisas mais relevantes, tais como o passado da sua mãe.
O silêncio tomou conta do lugar. Emilie permanecia inerte em pensamentos. Tanta coisa para absorver, tanto sofrimento. Mercedes tinha razão, sua vida jamais seria a mesma a partir do momento em que saísse do hospital. O silêncio fora rompido repentinamente por uma voz doce e infantil.
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Os Filhos Da Cidade Vol. 1: O Livro Dos Espelhos
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