Capítulo único

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DA CARNE AOS OSSOS

"Porque no fim, isso é a única coisa que sobra de todos."

"Era Halloween. Assim como todos os anos, a faculdade organiza uma festa para os estudantes. Eu sempre detestei qualquer tipo de evento dessa natureza, as outras garotas faziam questão de usar roupas que valorizassem seus corpos esculturais como se estivessem em uma droga de desfile de moda. Não que isso me incomode, no entanto,quando minha mãe vê algo desse tipo, é comum que ela me olhe com reprovação. Fazendo-me pensar no que se passava na cabeça dela. Talvez fosse "por que minha filha não é como uma dessas?" ou "onde foi que errei?". Bom, mãe, alguma vez já parou para pensar que isso pode ter sido culpa da diabete que teve enquanto estava me gestando? Eu não culpo você, mas também não aceito que me culpe. Não me sinto frustrada se você não me ama, pois eu me amo o suficiente por nós duas e não considero meu peso um problema. Eu amo cada onda do meu corpo, minha bunda grande, meus seios fartos e minhas coxas. Cara, eu nunca vi coxas maiores e mais sexy. Mas se você acha que eu preciso vestir trinta e seis para ser sensual, então te mostrarei o que uma plus size é capaz de fazer."

Beijos da Kate

Terminei de escrever e fechei o diário logo em seguida. Deus sabe como eu daria tudo para ter coragem de dizer todas aquelas palavras em voz alta, no entanto eu não passava de uma covarde. Eu nunca me importei com o meu tamanho, porém ela sempre usava a desculpa da minha saúde e me fazia passar em médicos todo mês, mas eram sempre os mesmos dizeres: "sua filha está saudável". É claro que eu estava. Eu ser gorda não significava que comia feito um porco ou que tinha dificuldades para correr. Eu tentava não me importar com comentários maldosos que eu ouvia em todo lugar, entretanto sou obrigada a admitir que é complicado conviver pensando que as pessoas sentem repulsa por você. É como se eu tivesse decepcionado de alguma forma.

— Kate, está pronta? — ela perguntou logo após abrir a porta, revelando em seu corpo uma fantasia ridícula de bruxa, a qual fazia jus à sua pessoa.

— Pra que você bate se não espera eu respondê-la? — questionei, fazendo cara feia.

— Você ainda está de pijama? — retrucou, mudando de assunto.

— Não estou a fim de ir. — falei, sabendo que minha opinião não importava para ela.

— Eu sou diretora daquela faculdade e eu quero que minha filha me acompanhe em todos os eventos! — ela disse, e eu revirei os olhos como sempre acontecia.

— Tudo bem. Eu vou e aproveito para comer, já que estou com fome! — debochei, sabendo que aquilo a irritaria.

— Por que você faz isso comigo? — perguntou aflita. Os olhos cabisbaixos.

Suspirei com impaciência.

— Não começa! — suspirei outra vez e me levantei, pois era tortura continuar ali com ela. Abri o guarda roupa e tirei uma fantasia que ela havia comprado, virei-me e completei: — Já pode ir. Eu vou apenas me trocar; a não ser que tenha outra crítica para fazer.

— Eu só queria que você fosse normal. — comentou em tom baixo.

Mordi meus lábios trêmulos e segurei o choro que teimava em querer sair.

— Eu sou normal, mãe!— rebati em um murmúrio enquanto ela saia do quarto antes de poder me ouvir.

Larguei a fantasia no chão, passei as mãos frias na testa e chorei.

Estava tudo bem, aquilo sempre acontecia.

Optei por não usar a fantasia. Tornei a abrir o guarda-roupa, tirando uma saia preta e um corpete preto de lá. Eu sabia que eu tinha engordado e que ele não caberia em mim como no passado, mas, falando sério, eu faria essa porcaria entrar nem que eu tivesse que rasgá-lo. Vesti o corpete com dificuldade, ignorando o fato de que aquilo estava me matando de tão apertado, esmagando meus seios e minhas costelas. Coloquei a saia, uma bota e me olhei no espelho. Logo em seguida, soltei meus cabelos negros e compridos, admirando o que eu vi e ao mesmo tempo triste por mais ninguém me ver dessa forma.

Da Carne aos OssosWhere stories live. Discover now