A Nova Casa de Richard

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- Como pode observar, Sr. Fernandez - disse com formalidade a corretora de imóveis, enquanto abria as cortinas da sala, deixando a luz do sol iluminar o velho recinto - os ambientes aqui são bastante amplos. Acho que você terá todo o espaço criativo que está procurando. Os móveis são antigos, mas bem cuidados e resistentes.

Richard caminhava ao redor da mesa de jantar com as mãos nos bolsos da calça jeans. Seu blazer escuro encostava numa das cadeiras e seu olhar parecia perdido em algum dos cantos do teto.

- O que acha, Sr. Fernandez?, perguntou Selena Walsh, ajeitando os óculos. Este antigo casarão familiar é digno dos seus contos de terror?

- Não são efetivamente de terror, Srta. Walsh.

Richard Fernandez coçou os cabelos grisalhos, puxou uma cadeira e sentou. O consagrado escritor nunca se viu como um artista. Toda sua história de vida deveria ter seguido por um caminho diverso, burocrático, resolvendo problemas jurídicos no escritório de seu pai. Mas o mundo dá voltas.

- Na verdade - ele continuou, refletindo gravemente sobre suas palavras, com os braços cruzados sobre a mesa - sou apenas um homem de negócios. Utilizo uma máquina de escrever para formar uma sequência lógica de palavras, que posteriormente serão impressas e que, logo após a dedução das despesas e impostos federais, me renderão lucros.

Selena sorriu, sem saber o que dizer.

- Por favor, sente-se - convidou Richard.

A linda pele negra de Selena reluzia sob a luz difusa e acolhedora do sol de outono. Colocou seus papéis sobre a mesa e se sentou na outra ponta, em frente à Richard, cruzando as pernas e sorrindo. Enquanto ela puxava o cinzeiro do centro da mesa e acendia um cigarro, Richard refletia sobre as condições do negócio imobiliário.

- Eu não imaginava que o senhor fosse tão compenetrado, se não se importa que eu comente - ela disse, assoprando uma fumaça suave para o alto. - Quando pensava em Richard Fernandez, imaginava um sedutor de mulheres.

- Como os personagens que crio em meus livros...

- Exatamente - ela disse, piscando um olho.

- Srta. Walsh, esses personagens... Como posso colocar isto de uma forma correta? - ele se perguntou, abrindo os braços e se levantando; foi até a janela e olhou para a pálida luz dos raios da tarde - Eles representam apenas memórias abstratas, que posteriormente são interpretadas por meus circuitos cerebrais e transformadas em histórias fantasiosas. Nada muito interessante.

Richard parecia fazer questão de desqualificar seu trabalho como escritor, tentando vender uma imagem de si mesmo que não condizia com a publicidade promovida na contra-capa de suas obras.

Selena ouvia atentamente, ora encantada, ora constrangida. O tempo fluía estranhamente e a venda não se concluía.

- Pois bem. Estou interessado por esta casa. Há algo como... um sentimento vago, melancólico, que me atraiu a esta vizinhança. Vamos falar de valores. Quanto o proprietário quer receber por ela?, perguntou Richard, virando-se para Selena Walsh e caminhando em sua direção.

Selena apagou o cigarro no cinzeiro e folheou seus papéis, procurando organizá-los em uma ordem reconhecível.

- Aqui está. Bem, Sr. Fernandez, como havíamos conversado, este é um casarão amplo, muito apreciado no ramo imobiliário, iluminado, bem localizado, em boas condições de uso. Está sob os cuidados da mesma família há três gerações.

- Não habitam aqui talvez, Srta. Walsh, fantasmas do passado, portais dimensionais ou personagens amaldiçoados?, brincou Richard, colocando as mãos sobre os ombros de Selena enquanto permanecia em pé atrás dela. Uma angústia fria e aconchegante percorreu a nuca da jovem corretora, descendo por seus seios até aninhar-se em seu estômago, provocando uma deliciosa sensação de medo.

- São 590 mil, Sr. Fernandez - ela sussurrou, fechando os olhos vagarosamente. Mas o proprietário aceita negociar...

Richard desceu os lábios até a altura de Selena e disse algo inaudível em seu ouvido; em seguida, beijou seu pescoço com uma ternura voraz.

- Pensei que era apenas um homem de negócios, Richard.

Selena estava, à esta altura, completamente imobilizada pela presença hipnótica do charmoso escritor de livros. O último raio de sol apagou sua luz tênue em poucos segundos. Sorrateiramente, a noite caiu de forma assustadora sobre a velha casa, mantendo os dois como prisioneiros de um conto mágico.

- Conhecer você foi um grande negócio, Selena...

O Cigarro tinha gosto de BeijoOnde histórias criam vida. Descubra agora