Sem vida

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Se tu és um daqueles quem tem apreço por jogar umas palavras num papel ou site, talvez acabes te identificando com algo a seguir. Caso o ato da escrita não seja de teu feitio, não há problema, pelo contrário...

     Uma situação comum sou eu me pegar querendo escrever algo. Porém, o que uma pobre alma como a minha pode escrever? Toda beleza da escrita alheia me perfura o ego, me mostra uma das coisas mais repugnantes que vivem dentro de mim, a inveja. Quanto mais bela é a arte que aprecio, mais podre e decrépito o meu ser se torna. Dos contos mais belos e românticos que já me interessei hoje me restam relatos doentios em sítios e no jornal de notícias...

     O que uma pobre alma podre como esta pode acrescentar, se tudo que deveria inspirá-la a dizima em pedaços de depressão? [...]

     Eu me pergunto a essa altura, onde se encontra o terror e a eletrizante experiência que estas palavras deveriam instigar? Mas, veja bem, onde se encontram os motivos que me levam a escrever sobre tais categorias? Se não essas sensações, não há nada mais.

     Já vi que uma auto-reflexão não funciona para algo além da primeira pessoa do singular. Pois tenhas tua narração.

     Acordei. Não me lembro bem o que se passou na minha cabeça nos próximos segundos consequentes, geralmente os mais lúcidos do meu dia, logo adormeci novamente. Levantei-me e pus-me a procurar algo para comer, a parte mais intrigante é que eu não me lembro de ter acordado de novo. Tamanho intrigante não me levou a dar alguma importância ao acontecido.

     Quando cheguei à cozinha minha mãe jazia no chão à frente do fogão, estava dura como casca de inseto e fria como este relato. Sobre si havia um pedaço de papel surrado. Dizia: "Aqui há uma pessoa, sem vida, pois nada a ti faz alguma diferença, a não ser que seja de outro. Aqui há um ser posto a cultivar tua felicidade. Um ser muitas vezes infeliz que recebeu a maldição de cuidar-te. Levo-o então com toda sua insignificância, não a algum lugar paradisíaco, os que sofrem em vida, também sofrem sem ela, logo jogo este ser ao fim da existência."

     Seria o inferno? É natural que eu procure minha irmãzinha depois de ver algo assim. A mesma só restava sua pele esfolada, em seu quarto junto a umas bonequinhas largadas ao chão, o sangue grudento e já não tão fresco me deu nojo. Outro bilhete, este sobre a cama, imagino que para não estragar com sangue. Dizia: "Também levei esta, pois não te agradava nem um pouco meu caro, nem sua mais doce admiração por ti foi capaz de te conquistar. Mas esta levo também o que diz respeito à parte física, por ainda ser pura, com exceção da pele que já fora atração sexual de tua antepenúltima perda."

     Nessa hora eu já havia me lembrado e fui ao meu quarto ler o último bilhete. Estava ao lado de meu corpo dormindo enrolado nas cobertas: "Agora que lembraste, darás um fim a tudo isso enrolando os cobertores em teu pescoço? Ou vai acordar novamente e ir atrás daqueles que são capazes de se sentir felizes por causa desta podre inveja?"

     Após ler meus próprios bilhetes naquele momento eu fiz a minha decisão. Qual ela é dependerá de tu que estás lendo. És feliz? Caso sim, sugiro checar o teu objeto de amor, e aproveitar caso ele ainda esteja com vida

     Vai que eu escolhi a segunda opção...

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