A vida como ela é

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  Madame Margot se sentava em um jantar com a coluna ereta e de modo elegante. Seu cabelo grisalho ajeitado de forma elegante em um coque no topo da cabeça. Há muito desistira de brigar com a cor cinza, que trazia dignidade e um ar sério. A echarpe xadrez cobria o ombro por cima da blusa listrada e da calça preta com sapatos de plataforma, que pareciam ficar elegantes apenas nela. O conjunto era exótico. No entanto, Madame Margot parecia ter saído das páginas de uma revista de moda. Com frequência, pegava seus óculos de leitura para ler cardápios e observar o telefone celular, vez ou outra, que o neto Henrique ajudara a escolher. Às vezes, atrapalhava-se com os apitos e apps, que a lembrava a palavra aperitivo. Aplicativos dizia o neto exasperado mais uma vez porque a avó não entendia o que era aquela tecnologia.
A refinada senhora havia sido convidada para um jantar para pessoas importantes ou que pareciam importantes. Atualmente, as socialites e as que queriam ser ou aparentar ser ricas tinham mudado de nome: eram digital influencias, youtubers, tinham seguidores e mostravam seu poder pela quantidade de pessoas que as olhavam em redes sociais. Henrique havia feito contas nas atuais redes para a velha senhora e era ele quem administrava fotos e alguns comentários porque a avó chegava sem saber o que fazer com aquilo. Uma vez, adicionara um rapaz, que parecia ter boa índole, ela disse. No fim, o moço acabou por mandar uma foto de sua genitália. O menino a pegou rindo sem parar e ela falou: Venha, meu filho, olha isto! Pobre moço! Ele bloqueou o rapaz e passou a monitorar a conta da avó para evitar problemas maiores depois do episódio embaraçoso.
- Mas, Henrique... Não tem nada demais uma coisa dessas, meu querido! Você também tem. Que pobre alma! Imagine só, precisar usar destes artifícios para se sentir homem!
O jovem fechou a cara e mantinha as contas de Madame sob severa vigilância para evitar que algum golpista se aproveitasse da avó. No entanto, Margot sabia algumas artes marciais, várias línguas e tinha a seu favor a sabedoria dos anos de vivência, tão pouco glorificados nos tempos modernos. As mulheres esticavam suas peles quase a ponto de parecerem monstros deformados de antigos filmes de terror. Algumas chegavam a não sorrir mais. Embora apreciasse a boa vida e alguns pequenos luxos, não teve muito interesse em esconder a passagem do tempo. Na verdade, orgulhava-se dela, das marcas da vida, que eram o indício de sua sapiência. Nos meios no qual circulava, a senhora era vista como uma criatura excêntrica e querida.
Casou-se jovem, aos 18 anos, com o primeiro marido, que seguiu carreira diplomática. Viajaram juntos durante 15 anos até ele escorregar na escada da casa construída em Brasília no Lago Sul e morrer imediatamente, deixando-a com uma filha para cuidar. Não ficou mal. Afinal, sua família era rica, mesmo sendo bem conservadora, ajudaram-na no momento de crise. Dois anos depois, veio o segundo marido, um empresário que gostava de viajar e de esportes radicais. Margot o acompanhava em algumas de suas aventuras.
Aprendeu a mergulhar, a fazer rapel, montanhismo, mountain bike, correr por percursos com obstáculos e, com ele, aprendeu o bom gosto pela vida. Por ironia do destino, Honoré morreu em um mergulho. Outro funeral, cinco anos depois do casamento. Madame Margot pensou em seu azar para maridos. Afinal, os dois que tivera acabaram falecidos. Passou um tempo só e encontrou mais. Tinha gosto pela vida e uma serenidade búdica. Este a levava para o Oriente, onde ela conheceu templos e ashrams e onde também passou maus bocados com diarreias, náuseas intensas e dias intermináveis no calor. Foram momentos preciosos. Aliás, cada instante com cada um dos homens com quem teve o prazer de desfrutar a vida foi importante. Deu por encerrada a vida de casamentos depois que o terceiro marido morreu doente. Vivera o suficiente e amara o suficiente e também fora amada o suficiente pelos três lindos e garbosos homens de sua vida.
O nome da única filha fora escolhido pelo casal em homenagem à escritora Jane Austen. Eles a chamavam pelo nome como dito em inglês e ela simplesmente odiava como os pais a chamavam. A rebeldia veio, passou e chegou o casamento, que não deu certo e Jane sem ser Austen acabou voltando para as asas da mãe com o filho Henrique debaixo do braço sem ter onde morar. Madame Margot costumava dizer:
- Mas, filha, eu não falei para você cursar algo que pudesse fazer você ganhar dinheiro?
Ou que tivesse escolhido um partido melhor, mas Olívio parecia promissor e eram jovens quando juntaram as escovas de dentes. Ele dizia que seria um grande músico. Veio a gravidez, os anos passaram, as dificuldades aumentavam, as dívidas batiam à porta e não houve como manter o casamento. Jane trabalhava porque gostava mesmo que a mãe dissesse que poderia bancá-la. A filha lançava um olhar exasperado como quem dissesse: Nem morta! Era discreta. Suas roupas eram monocromáticas. O cabelo sempre em um tom só. A maquiagem leve mal revelava a beleza que aparentava e estava bom assim. Ninguém jamais diria que Jane era filha de Madame Margot. Poucas vezes, a moça se unia à mãe para os jantares chatos e maçantes entre pessoas mais velhas ou para os eventos sociais fúteis que a mãe tanto gostava de ir.
- Querida, você sabe que a diversão não está no evento em si, mas nas novidades passadas como um telefone sem fio.
Os olhos rolavam em desaprovação. Henrique ficava quieto enquanto ouvia reclamações de um lado e de outro. Evitava tomar um posicionamento certeiro para não ter a fúria de qualquer uma das mulheres em que seu mundo circulava. Ainda tinha sua fiel escudeira: Maria. Ela cuidara dele desde que nascera e era a única com quem não se exasperava e era em seu quarto que se escondia para deixar o mundo aprazível. No entanto, havia vezes que era Jane quem tinha que equilibrar as desavenças entre avó e neto.
Era assim que a vida na casa dos Vincents.  

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⏰ Última atualização: Sep 26, 2022 ⏰

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As aventuras de Madame Margot e o Hacker K.renOnde histórias criam vida. Descubra agora