Silent Scream

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Eu não sou nenhuma celebridade nem nada, mas depois que recebi um convite de uma editora para publicar um livro sobre a minha vida, não pude recusar. No começo ela era totalmente normal (e a maioria das coisas que vou contar aqui também é), por isso vou iniciar esse livro contando sobre a época em que minha vida se tornou um pouco mais interessante. Prazer, meu nome é Luiza e eu tinha 12 anos quando tudo começou.

Era um dia escolar comum e, como sempre, eu interagia na aula, conversava com minhas amigas Ana Laura, Lais e Maria Carolina, e, no final da aula, ficava esperando minha mãe vir me buscar. Cheguei em casa e fui para o meu quarto fazer meu dever de casa, quando eles começaram:

- Você é um idiota, submisso a sua mãe e que não consegue olhar pro futuro e evoluir! Eu não aguento mais a merda desse apartamento, que eu tenho que limpar sozinha, e não aguento mais VOCÊ! - gritava minha mãe para o meu pai.

- Vá pro inferno! - retrucava meu pai.

Era sempre a mesma coisa desde que minha mãe começou a fazer um curso noturno de comércio. Ele não conseguia aceitar o fato de que ela não estaria lá todas as noites para serví-lo. Era um retrógrado.

Mesmo se eu ligasse para o que eles diziam, estava ocupada demais com a escola, me dedicando para tirar as melhores notas possíveis (tinha muita pressão da minha família para ser a melhor e havia criado um padrão de satisfação pessoal muito grande, ficava triste se tirasse 8 em qualquer matéria). Isso não afetava meu desempenho, continuava sendo uma das melhores (a melhor talvez), mas tudo mudou quando o ano virou.

Meu pais se separaram e minhas únicas amigas mudaram de escola. Minha vida mudou completamente e, por mais que tentasse, não conseguia manter contato com elas. A minha segurança e felicidade abandonavam meu corpo aos poucos, dando lugar a insegurança e a solidão.

  Passei a ser a nerd esquisita que sentava no fundo da sala e não falava com ninguém. Não que eu não quisesse fazer amigos, é que depois que tive que começar a falar com a psicóloga da escola começaram rumores "desagradáveis" sobre mim. As garotas diziam que eu parecia um robô, que nunca desobedecia as ordens, que era feia, gorda, que ninguém se importava comigo... Me deram apelidos cruéis que jamais esquecerei, como bruxa, feia, invisível... Já os meninos tinham medo que eu jogasse uma praga neles ou algo assim. Preferia ser invisível a tentar socializar com pessoas que me odiavam.

Eu não contei nada para a minha mãe. Não precisava preocupá-la com os meus problemas, ela já os tinha em excesso tendo que trabalhar de dia, estudar a noite e ainda cuidar da casa. Eu e minha irmã Giulia, de 18 anos, tentávamos ajudar o máximo possível, mas, ainda assim, não era o bastante. Giulia trabalhava em buffets para ajudar a pagar as contas, mas não ganhava mais de 50 reais por noite e sempre que oferecia o dinheiro, minha mãe recusava, dizendo que aquele dinheiro era seu e que era para gastar com si mesma.

Enquanto isso, meu pai se afundava ainda mais em dívidas e no alcoolismo. A crise o deixara sem lucro algum, e por mais que ele trabalhasse todos os dias e em três lugares diferentes, não sobrava quase nada depois de pagar todas as contas, aluguéis e nossa pensão. Se continuasse assim seria preso.

Tínhamos também uma irmã, Giovanna de 23 anos, que morava no Paraná e estudava na faculdade veterinária de uma pequena cidade rural. Era preciso enviar dinheiro para ela também.

Eu não era mais feliz, mas ainda assim tirava as melhores notas que podia e quando estava em casa punha um sorriso no rosto para agradar minha mãe. No meu tempo livre fazia coisas que podia fazer sem ter que interagir com ninguém, como ler um livro ou escutar minhas músicas e decorar suas letras. Descobri músicas que me definam e me traziam alegria, porque se alguém já tinha cantado sobre isso, significava que eu não era a única que já tinha sentido ou passado por isso, que não estava sozinha no mundo.

Chegou uma hora em que não aguentei mais e me tornei gótica, me fechei totalmente tentando não afetar as pessoas ao meu redor, mas eles não me entendiam. Eu só queria gritar com todo mundo! Na minha classe todos eram muito infantis, não se importavam com seu futuro ou com os sentimentos dos outros! Os adultos não eram muito melhores. Achavam que eu precisava de ajuda, precisava usar o uniforme, não roupas pretas, precisava interagir, fazer amigos e ser mais educada. Queriam que eu fosse uma "perfeita princesinha cor-de-rosa" e eu não era assim.

A música Silent Scream de Anna Blue me definia naquele momento da minha vida.

As músicas da minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora