04 - Órfã

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- Mãe! Você não vai acreditar no que aconteceu na escola hoje! - Vivian gritou animada logo que entrou em casa.

Seu grito ecoou na silenciosa casa. A garota esperou alguns minutos antes de falar novamente.

- Mãe? Tem alguém em casa? - Indagou estranhando a falta de resposta.

A menina começou a procurar a família pela casa, olhando de cômodo em cômodo, até ouvir altos soluços vindos do quarto dos pais.

- Mãe? Você tá aí? - Perguntou para a pessoa que estava dentro do quarto, abrindo a porta levemente.

A cena que viu a seguir era assustadora. Sua mãe, chorando e soluçando na beira da cama. Aos seus pés, dezenas e mais dezenas de garrafas de cerveja, uísque, vodka, ou seja lá o que a mulher estivesse viciada em beber atualmente. O cheiro que pairava no ar era uma mistura horrível de álcool e vômito. Dona Marta estava, claramente, nada bem.

- Mãe? Você bebeu hoje? O dia mal começou e você já está mal! - Vivian lamentou, chocada com as proporções que o vício de sua mãe estava tomando.

- Me des...culpa Vi...vian - Marta se pronunciou pela primeira vez, entre soluços e lágrimas.

- Desculpa, mãe? Desculpa? Você já me pediu desculpas milhares de vezes e repete esse erro milhões!

Dona Marta até tentou se justificar, mas parou. Não porque não achou uma justificativa decente, mas porque teve que vomitar outra vez, tamanho o seu enjôo.

Vivian correu para acudir sua progenitora. Partia seu coração ver a mulher que deu sua vida num estado tão deplorável - vomitando a alma, chorando horrores e presa num vício devastador. Prendeu os cabelos de Marta em um coque e a levou para o banheiro.

- Tome um banho mãe, vai te fazer melhorar.

A garota voltou ao quarto, procurando e pegando as garrafas jogadas pelo caminho.

33.

Sua mãe bebeu 33 garrafas de bebidas alcoólicas. As doses da mulher aumentavam a cada dia e Vivian tinha medo de que ela desenvolvesse um problema realmente sério - uma doença talvez.

Jogou as garrafas dentro de uma sacola e separou um remédio para dor de cabeça, preparada para a forte ressaca que a mãe teria - isto é, se ela tivesse tempo de ter ressaca. Provavelmente voltaria a beber logo que possível.

A garota sentiu uma lágrima desesperada escorrer pela sua face. Estava bem no meio de toda aquela situação e não podia fazer nada. Não conseguia pedir ajuda para ninguém. Seu pai passava pelo mesmo problema da mãe, porém não bebia em casa, e sim no bar. Seus avós maternos moravam longe, em outro estado, afastados da neta e sua vida familiar conturbada. Seus avós paternos tinham falecido há anos.

A morte de seus avós, aliás, fora o ponto de partida para todo aquele sofrimento.

Pela primeira vez em muito tempo sentiu-se sem resposta, sem solução para um problema. E não pela primeira vez sentiu-se órfã, sozinha, desolada. Tão nova e já tão perdida.

- Vivian! - a garota foi retirada de seus pensamentos pelo chamado da sua mãe, que parecia finalmente ter terminado o banho que a faria sentir melhor. Será que existia algum banho que desembaralhasse mentes? Pois, sem dúvidas, a "menina perfeita" precisava de um.

- Oi, mãe.

- Traz toalha pra mim? - A mulher perguntou.

A filha deu uma risada triste. Era ela quem devia pedir toalhas esquecidas, como nas relações normais de mãe e filha. Daria de tudo pra ter uma relação assim.

- Já estou indo. - Disse enquanto pulava a grande bagunça que estava o quarto. Levou a toalha para a mãe - que estava aparentemente melhor.

- Obrigada, filha. - Marta falou e Vivian colocou-se novamente a pensar. Como podia aquela mulher a chamar de filha, se não agia como uma mãe? Como podia Marta chamá-la de filha, se não a amava como tal? Segundo Vivian, se a mãe realmente sentisse algo por ela, não teria entrado naquela vida. Segurou as lágrimas no caminho até seu quarto, mas assim que entrou não conseguiu mais segurar. Ninguém é de ferro.

Chorou descontroladamente, novamente sozinha, encolhida no canto de seu quarto enquanto tentava achar uma solução para o problema que parecia apenas piorar.

Poderia tentar arrancar as bebidas de seus pais. Esconder tudo no armário... Talvez se pegasse todo o dinheiro deles e o confiscasse daria certo.

Só sabia que aquilo estava passando limites. E tinha que acabar agora.

Xingou-se mentalmente. Não podia ficar chorando pelos cantos e se perguntando "Por que comigo?". Não podia julgar os pais por tudo aquilo. Tinha que ser forte. Para sua família. Para suas amigas. Para ela mesma.

Enxugou as lágrimas e olhou no espelho. Mentalizou aquela menina perfeita que todos diziam que ela era. Mentalizou sua vida sem problemas, sem aquele problema. Mentalizou sua vida do jeito que ela devia ser... do jeito que ela seria a partir daquele momento: sem ficar se lamentando.

E agora ela teria que deixar o futebol e suas novidades para depois. Agora ela teria que ser resistente.

Pelo menos resistente o bastante pra aguentar o próximo baque: o seu pai, que provavelmente chegaria em casa bêbado também - até mesmo pior que sua mãe.

Dourado Futebol Clube {HIATUS}Onde histórias criam vida. Descubra agora