I - Arnaldo

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“Era um tempo diferente”, repetia incessantemente o detetive Arnaldo ao se desculpar com a família da vítima, relembrando um caso passado. O policial não sabia mais o que dizer para as pobres e enlutadas pessoas daquela sala; ele nunca fora o melhor mensageiro de notícias ruins.
— Só podemos esperar agora. Vou rezar por vocês e qualquer coisa podem me ligar nesse número. — Arnaldo depositou um cartão, com seu nome estampado, sobre a mesa, em um tom respeitoso.

Aquele caso era diferente de tudo o que tinha acontecido na sua carreira inteira pela polícia. Não era o caso em si; um assassinato vira algo rotineiro na vida daqueles que trabalham ao lado da lei. A questão mais intrigante e impossível nesse caso era que, depois de tanta investigação, entrevistas e debates, dessa vez não havia nenhum suspeito e nem a mínima ideia de qualquer pessoa envolvida no homicídio.
Incompetente? Não existia nenhum policial mais apaixonado pela investigação de assassinatos, que o famoso detetive Arnaldo Correia do 13° Distrito Policial. Em sua sala havia diversos quadros pela parede, enfeitando o papel de parede desbotado; dentre algumas fotos de jornais com manchetes cujo título dizia “Detetive Arnaldo resolve o caso Gretski”, “Arnaldo Correia vence outra vez”, algumas fotos com figuras ilustres se dispunham aleatoriamente pelo espaço.

Arnaldo era excelente, mas dessa vez o assassino era um fantasma. Não digo isso por nada, os jornais bordavam o nome “O Fantasma de Correia” na capa dos periódicos, atormentando ainda mais as noites de sono do detetive.

— Como foi com a família? — Rebecca tentava ser complacente ao entrar a sala, vendo o policial encarar o seu copo de vodca sobre a mesa.

— Sabe, Rebecca, é difícil dizer à família de um juiz do supremo Tribunal, que você fará justiça. Soa até irônico. — disse o detetive Arnaldo, dando um gole na sua bebida.
— Qual o próximo passo? — A mulher tentava ser positiva, mas naquela ocasião era quase impossível.
A mente de Correia estava paralisada. Todas as opções cabíveis à uma investigação policial foram utilizadas, e sua única alternativa naquele momento era sentar e tomar uma dose de sua melhor bebida russa.

— Perguntar para minha mãe, talvez.

Arnaldo tinha uma mania compulsória de usar sarcasmo em qualquer ocasião da sua vida. A piada com sua mãe sempre calhava em situações sem resposta; talvez pelo motivo do detetive Correia nunca ter conhecido sua progenitora.

—Não desanima, Correia! Você não é o detetive que soluciona tudo? Não é seu nome que tá aqui no caso Gretski? — Rebecca foi rapidamente na direção do quadro na parede, pegando-o e mostrando ao detetive. — Vamos! Não desiste agora, chefe.

—O caso Gretski foi diferente. O assassino só estava se escondendo muito bem. Dessa vez, a gente nem tem ideia de quem é o cara! — A voz de Arnaldo era mais triste do que raivosa. — Eu vou para casa. — disse o policial, levantando e pegando seu casaco pendurado na cadeira. — Acho melhor você arquivar esse caso, pra mim já era.


O salão onde todos os agentes ficavam estava calmo, estático. Alguns policiais jaziam com a cabeça nas papeladas de algum caso qualquer. Nenhuma testemunha ou civil estava ali mais; a família do então falecido juiz não chorava pelos cantos escuros do 13° Distrito Policial, ou quaisquer características indicavam horário diferente do momento. O relógio indicava duas horas e vinte três minutos da madrugada.

No instante que o detetive botou os pés no salão, ninguém se deu conta da sua presença. Não contrariaram a vontade de Correia, ele passou sem nenhum olho cair sobre sua imagem. O cansaço pesava os seus ombros, do mesmo modo que Atlas segurava o Mundo nas suas costas; qualquer pensamento relacionado à essa mitologia foi ignorado pela mente já farta do sonolento homem de quarenta anos.
A sua vontade era girar a maçaneta de sua casa, tirar seus sapatos, caminhar para o quarto, observar sua esposa já dormindo, e, ao se deitar, sussurrar um então quase mórbido “boa noite” para sua amada mulher. Sua mente já estava no futuro, desejosa, procurando não perder tempo em qualquer outro lugar.
Mas, queridos, algumas coisas acontecem contrárias às nossas vontades. Digo isso com eufemismo, pois, se a vida fosse um poço de desejos, ele com toda certeza estaria vazio.
No momento em que Arnaldo Correia se dirigia para a porta dos fundos, que dava diretamente para o estacionamento, um alvoroço ecoou no local em que estava. O detetive tentou ignorar, mas algo o deteve.

— Arnaldo Correia. Eu sei do que você precisa. — Uma voz argenta se dispôs em toda sala.

— Com certeza uma boa noite de sono e, quem sabe, um copo de suco. — O sarcasmo do policial ainda era notado. Arnaldo não se virou, e continuou se dirigindo à porta.

— Nenhum suspeito, detetive? Depois do que você ouvir o que tenho a falar, todos parecerão suspeitos. — O homem com a tal voz era insistente, e disse essas palavras no momento em que Correia deitava sua mão sobre a maçaneta cinza da porta.

— Para a sala escura. E espero com todo meu coração, que o que você tenha a falar seja melhor que uma noite de sono com minha esposa.

—Não é tão difícil assim. — disse uma voz anônima na sala.

—Realmente. — Um breve sorriso sem graça surgiu no rosto do homem cansado.




A “sala escura” era o nome dado à sala em que todos os interrogatórios eram feitos. O apelido ao local era óbvio, só de adentrar aquele cubículo, o detetive Arnaldo sentia o cansaço aumentar sobre suas costas.
A sala era composta de um papel de parede escuro, sem nenhum adorno. A lâmpada no teto era única, ainda do modelo antigo, amarelada. Duas cadeiras ficavam dispostas opostas uma da outra, em cada canto da mesa. No momento em que Correia sentou desleixadamente em uma das cadeiras, o outro rapaz o acompanhou. Seguido dos dois, Rebecca trouxe consigo uma pasta, colocando na mesa, à frente do detetive.

— Victor Krugel, trinta e cinco anos, imigrante, jornalista, solteiro e uma, impressionante, passagem pela polícia por furto. — O detetive abrira a pasta e lia os dados, enquanto suas pálpebras lutavam contra o sono. — Agora, desembucha.

Victor aparentava ter mais idade do que a realidade. Seus olhos eram cansados; não de um cansaço comum, mas sim de algo rotineiro, que o acompanhava há um tempo. Os cabelos castanhos já estavam grisalhos nas laterais. As rugas pelo seu rosto demonstravam o estresse diário em que convivia.

E então com um olhar desafiador, o jornalista olhou para o detetive e declamou uma das frases mais impressionantes que ele ouviu na sua vida, fazendo Arnaldo se contorcer por dentro, perguntando a si mesmo se estava em algum tipo de filme.

— Ele não é como os outros, doutor. Ele não foi treinado para o combate; não o ensinaram artes marciais e muito menos deram uma arma para atirar. O homem que está procurando nunca foi um superatleta. O senhor pode se perguntar o que ele é. Eu te respondo. — Seus olhos castanhos brilharam, demonstrando um fascínio pelo que ele falaria logo em seguida. — Ele é um mestre da mente; o treinamento dele foi o estudo intenso. O sujeito sabe de tudo, conhece tudo e, o mais importante, analisa tudo. Entre as melhores mentes do mundo, está a dele. Se o doutor se perguntar o porquê de ele ser tão perigoso para ser um criminoso em mais de dez países, eu lhe falo: financiam ele. Empresários multimilionários contratam ele, com um bom adiantamento, e esse dinheiro recebido antes é totalmente gasto em cirurgias plásticas. — Victor soltou um riso sarcástico. — Porém não é qualquer plástica, ele tem especialistas para isso, fazendo-o se transformar em qualquer pessoa. Realmente qualquer pessoa. — O jornalista fez uma pausa dramática, para enfatizar sua próxima fala. — E isso, doutor, é uma combinação mortal. Com sua mente magnífica e sua habilidade de se parecer com qualquer ser humano, ele abre a possibilidade de se tornar qualquer um. Sim, ele se passa por um homem qualquer para fazer sua missão final, a todo custo, podendo não ser uma simples morte de um juiz. Com cautela e com uma lábia extraordinária, ele chega em seu alvo e o mata sem deixar uma pista sequer. Agora te pergunto: se o senhor for o alvo, por quem esse sujeito está se passando?

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13° DP - O FantasmaOnde histórias criam vida. Descubra agora