Alguns fios do cabelo ruivo e opaco tinham enroscado em sua boca, causando irritação em cada palavra pronunciada. Os olhos fundos eram rodeados por olheiras escuras, demonstrando uma grande quantidade de horas sem dormir. A mulher não reclamava; Rebecca sabia que viraria motivo de discriminação caso abrisse a boca para chatear os outros. “Era preciso ser forte para uma mulher se destacar” dizia ela. Tinha chegado até ali assim e terminaria seus dias na polícia do mesmo jeito. Beirava os trinta e cinco anos, mas aparentava um pouco mais. Não era desleixada vaidosamente, sempre levava batom e algumas simples maquiagens em sua bolsa. Ao observar seu reflexo pálido no vidro da sala de interrogatório, procurou se lembrar onde tinha deixado sua bolsa, mas desistiu ao recordar que jazia em seu cubículo no salão principal da delegacia. Junto da mulher, outros dois agentes estavam de pé assistindo o interrogatório. Um deles soltava alguns comentários elogiando o detetive Arnaldo, relembrando alguns casos que viraram lendas no 13° Distrito Policial. A voz ríspida do homem já começava a perturbar Rebecca, que tentava manter sua concentração na sala escura, ouvindo cada pergunta e resposta dos dois homens.
A mão cobrindo a boca denotava ainda mais o cansaço da agente, mas ela mantinha a postura firme, sem nenhum indício de “fraqueza”.
— Por favor, vamos ouvir o detetive.— Rebecca cortou grosseiramente a conversa dos dois policiais, que falavam de algum caso terrível envolvendo uma doença na família de um deles. Os homens concordaram rapidamente e voltaram a atenção para o vidro esfumaçado.
Uma das conquistas da mulher, que ela se gabava a si mesma, era o respeito obtido dentro do Distrito Policial. Após anos e anos de trabalho duro, seu esforço fora notado e, ao se tornar próxima de Arnaldo Correia, virou a principal candidata à vaga de Detetive, logo depois da aposentadoria do seu chefe. Em contrapartida, sua vida social era desgastada. Com trinta e seis anos de idade, não havia ainda se casado e vivia com apenas alguns namoros ocasionais, sem nenhum comprometimento. “Sorte no trabalho, azar no amor” repetia toda vez em que o assunto era sua vida amorosa.
— Agora te pergunto: se o senhor for o alvo, por quem esse sujeito está se passando? — O jornalista tinha uma boa eloquência, e logo após ouvir essas palavras firmes, até Rebecca ficou surpresa. Poderia ser verdade tudo o que o homem falara? A policial não confiava na procedência daquela informação. Rebecca era famosa por duvidar de tudo, até daquilo que era provado diversas vezes. Porém, uma coisa que ela não duvidava, era da palavra do seu superior, o detetive Arnaldo. Se Correia dissesse que aquela história era verdadeira, a mulher já estaria pensando múltiplas alternativas para o passo seguinte. Quando as palavras eram do famoso detetive Arnaldo Correia do 13°DP, elas se tornavam maiores que a lei.
Logo depois do interrogatório, o detetive entrou na sala de observação, onde estavam os dois homens e Rebecca.
— E então? Você acha que tudo aquilo é verdade? — O tom de voz da agente especial era urgente, que tentava soar a menos desesperada possível.
O rosto do detetive era incrédulo e com sua barba de três dias acumulada, sua expressão beirava a sandice.— Duvido muito. Mas com setenta e duas horas sem uma noite de sono, eu duvido de tudo nesse mundo. — disse Arnaldo, coçando seu rosto cansado.— Vou para casa. Mantenha esse cara aqui. Se precisar, prenda ele por... furtar um saco de pães. — leu, cômico, a ficha de Victor, que estava em suas mãos. — Isso vai deixa-lo aqui por pelo menos essa noite. Volto pela manhã. — O detetive então entregou a pasta de papel para Rebecca e foi em direção ao estacionamento.
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No momento que Rebecca adentrou a sala escura, o jornalista jazia com as mãos ao redor da sua cabeça, com os cotovelos apoiados na mesa. Não era um homem feio, sua barba marrom bem cuidada trazia um ar de respeito, mesmo com toda sua vestimenta desarrumada. A agente vestia a mesma roupa há dois dias: uma calça preta e uma camiseta lisa cinza, com seu distintivo pendurado no pescoço e o coldre na cintura.
Passara sua vida inteira naquele DP, entrando como uma simples policial de campo e, aos poucos, subindo de cargo, até chegar ao tão querido posto de Agente Especial.
— Vai ser uma longa noite. Aposto que você não se importa em dormir em uma cela. — O tom da mulher era impositivo, sem nenhuma hesitação.
— Não vai ser preciso. Eu não vou a lugar nenhum. — Victor parecia triste, desanimado. — Só me deixe ficar ali no salão.
Rebecca não negou. O homem não tivera feito nada de errado, ele não merecia ficar em uma cela gelada por uma noite inteira. A mulher então o levou para o local em que todos os cubículos ficavam, fazendo o homem se sentar em uma cadeira qualquer.
— Você conhece aquele cara? — A agente perguntou, apontando para um canto da sala.
— Qual cara? — Victor Krugel tinha olhado para o sentido apontado, mas não havia ninguém. Ao se virar novamente para a policial, ele percebeu que fora enganado; Rebecca o tinha algemado na barra de encosto da cadeira.
— Tenha uma boa noite. — disse ela com sarcasmo.
Rebecca então foi até seu cubículo, pegou sua bolsa preta, seu casaco e rumou até o estacionamento. Seu sedan cinza a esperava em sua vaga, quase convidativo.
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Rebecca Solano morava sozinha. Seu apartamento era em um bairro seguro da cidade, de classe média, um pouco afastado do centro comercial. Ao entrar no elevador, sentiu o aconchego do prateado veículo, enquanto escolhia o décimo andar no visor. No instante que o elevador começou a subir, ela se virou e se deparou com seu reflexo no espelho; estava acabada. Seus olhos semiabertos, os ombros caídos e o cabelo seco foram o suficiente para ela soltar um suspiro cansado. Quando a porta se abriu, ela pôde ver seu apartamento de número 103.
Uma das coisas que Rebecca se orgulhava, era de sua organização. Sua casa era totalmente organizada e limpa. Os pratos da sua cozinha ficavam empilhados, separados em cores e tipos. Os CD’s da sala de estar eram organizados em ordem alfabética, e as toalhas do banheiro eram separadas para cada dia da semana. “Algo que aprendi com minha mãe” se gabava ela, quando perguntavam o motivo daquilo tudo.
Em seu quarto, sua cama jazia desarrumada, fenômeno ocasionado pelo chamado do dever na manhã passada, em que saiu às pressas. Sem se importar em se trocar, a mulher desabou na cama macia, de bruços.
Na cabeça de Rebecca, um turbilhão de pensamentos ecoava de um lado ao outro, mas mesmo lutando contra o cansaço, o sono a atingiu. O relógio na cabeceira apontava três horas e dezessete minutos da madrugada.*
***
Ao estalido irritante do despertador barato, indicando sete horas da manhã, Rebecca acordou, mas não levantou. Seus olhos fitavam o teto, pensativa, com a cabeça no seu futuro dia. O aconchego dos lençóis de algodão a impediam de desejar começar a sua rotina. Porém, depois de longos três minutos ela se levantou e, arrumou seu quarto logo após um banho demorado, colocando uma roupa nova logo em seguida. O dia não seria nada fácil para ela, e ela repetia isso incessantemente em seus pensamentos cada vez que recordava de tudo o que ocorrera na noite passada.
Terminada a arrumação, a mulher foi até sua pequena cozinha e comeu algo às pressas: um pão e uma maçã. Uma das coisas que Rebecca se importava desde sempre era sua alimentação. Não que ela fizesse algum tipo de dieta, mas somente para manter sua saúde em dia. Sem demorar mais, ela pegou sua bolsa e saiu do apartamento. O Sol despontava sete horas e quarenta minutos.
**
Com o desânimo rotineiro de toda manhã, Rebecca caminhou até seu carro, no estacionamento de seu prédio. No momento que pegou a chave do carro na bolsa e estava prestes a abrir a porta do automóvel, algo chamou sua atenção. Na janela da porta do motorista do carro, um post-it jazia colado no vidro. Com os olhos ainda pouco acordados, a policial conseguiu ler com algum esforço o texto escrito no papel, em uma caligrafia desleixada: “Não acredite nele.”.*****
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13° DP - O Fantasma
Mystery / Thriller"E então com um olhar desafiador, o jornalista olhou para o detetive e declamou uma das frases mais impressionantes que ele ouviu na sua vida, fazendo Arnaldo se contorcer por dentro, perguntando a si mesmo se estava em algum tipo de filme. - Ele nã...