14 de novembro de 2000
Aurora - Vilarejo Sete Léguas - Restaurante Oliveira - 14:05hrs
- Papi! Papi! - Laura gritava afobada entrando no escritório do pai e sendo seguida por uma mãe risonha e ofegante.
- Ei meu pequeno foguete - Ricardo sorriu ao ver a garotinha saltitar até ele com suas marias-chiquinhas balançando graciosamente e antes que ela começasse a correr por seu escritório e fazer bagunça, a pegou nos braços balançando-a de um lado para o outro, fazendo com que a menina gargalhasse feliz.
- Eu tentei domar essa ferinha, mas não tive muito sucesso - Amélia suspirou ofegante ao falar e seu marido a observou com um sorrisinho travesso, ele simplesmente adorava vê-la assim, corada e ofegante e sem que precisasse comandar seus pensamentos, lá estavam as lembranças da sua amada entre os lençóis na noite passada, macia, suada e o enlouquecendo completamente. Ele realmente precisava dela outra vez daquela maneira.
- Vem aqui meu coração - Ricardo a chamou adotando aquela postura de galanteador que Amélia achava graça e tanto adorava, ela sorriu ao se aproximar sentindo um dos braços do marido envolver sua cintura, olhou em seus olhos cor de chocolate e sentiu seu coração acelerar ansioso - Faça tudo o que tiver para fazer essa tarde, porque à noite tenho planos, só nós dois e muito vinho - Amélia sorriu encabulada e concordou deixando um selinho carinhoso no marido.
- Beijo não papi, depois! Olha! Olha! - Laura pôs a mãozinha entre os dois fazendo-os rir e olhá-la admirados, ela começou a apontar para a testa indicando uma estrelinha dourada que estava ali.
- Mais uma estrelinha coração? - Ricardo perguntou bobo.
- Sim! Sim!
- E você sabe que ficamos muito orgulhosos, não é? - Amélia disse sentindo seu coração se encher de mais amor por seu tesourinho.
- Sim mami, sim mami! Acho, acho que mereço um sorvete pequetino!
- Pequeninho você quis dizer?
- Isso! Isso mami! Bem pequetino!...
- Meu amor, não acha melhor vender tudo isso? - Amélia perguntou preocupada ao fechar a porta atrás de si, havia deixado Laurinha em seu quarto, dormindo feito um anjinho e correu até o banheiro para se preparar, sentindo-se completamente ansiosa. Escolheu o vestido mais sensual que tinha e se produziu com muito empenho, imaginando os momentos inesquecíveis e quentes que teria ao lado de Ricardo, mas agora, parada ali, vendo seu marido naquela salinha pela terceira vez na semana, fez seu coração palpitar cheio de dor.
- Você sabe o quanto tudo aqui significa pra mim, eu não comprei nada, eles me deram, ele me deu tudo isso... - Ricardo parou de repente e ela viu os seus olhos marejarem e sentiu um aperto forte no peito, pois sabia que ela havia perdido um amigo muito especial, mas Ricardo, ele perdeu não só um amigo mais que fiel, mas um irmão unha e carne. Had que era apenas um ano mais novo que Ricardo, acabou tirando a própria vida com um tiro no coração, sendo um grande choque para todos, não só para os mais próximos, mas para o Brasil inteiro, mas ela sabia que para o homem triste agora na sua frente, foi como perder um pedaço de si, e por mais que lhe doesse lembrar quando José apareceu em sua casa, com os olhos inchados e vermelhos dando-lhe a notícia, sempre que podia, deixava as lembranças virem à tona, apenas as boas e recordava junto a Ricardo, fazendo-o rir e se emocionar em cada memória.Flashback
14 de Junho de 1986
Aurora - Vilarejo Sete Léguas - Festival de Santa Aurora - 15:04hrs
Era uma manhã quente de Agosto, o sol escaldante irritando demasiadamente a pele da sua nuca e em pensar que havia quase acabado o gel passando nos cabelos, além de estar usando sua melhor calça de pregas branca pegando bem na cintura, camisa sem mangas da mesma cor e o paletó do seu pai com ombreiras azul claro,toda essa beca apenas para impressionar a sua garota. O vilarejo estava enfeitado por todos os cantos, papéis coloridos em formato de triângulos, estavam pendurados em vários metros de barbantes sustentados por postes de madeira, telhas das casas e dos comércios, era assim todos os anos desde que se lembrava e o festival de Santa Aurora não seria diferente agora, teria música tradicional, brincadeiras, danças, comida e muitos casais apaixonadas, mas para Ricardo seria diferente aquele ano, já que cada parte de seu corpo tremia de nervosismo e expectativa. Ouviu uma gargalhada conhecida e exagerada próxima de si e teve tempo apenas de ver uma mão pequena cutucar a sua barriga em um soco leve, olhou para baixo e viu Carlinhos, irmão mais novo do seu amigo Roberto, os dois, filhos dos Sánchez, o casal porto-riquenho que vivia ao lado da sua casa. Olhou bem para aquele menino gordinho e com orelhas estranhas, achando engraçado ver que ele gargalhava sem parar, olhando para as roupas que ele usava e agora se sentia careta usando paletó naquele calor.
- Nozes estamos nos anos 80, não em 40 - O pentelho falou travesso como se soubesse a moda dos anos 40 e Ricardo sentiu vontade de dar um castigo naquele gordinho mala, já que estava estiloso, mesmo formal demais para apenas uma visita.
- Se diz nós e não nozes - O menino parou de gargalhar e ficou sério, pensativo até.
- Yo sei, mas mama ainda está me ensinando o português - Sua mão coçou o queixo de um jeito maduro e Ricardo o olhou ainda mais intrigado - Estoy indo para o ensaio da banda do meu irmão, ellos tocarán no festival amanhã, no quiere verme comigo o ensaio? Yo soy el baixista.
- Baixista? - Ricardo perguntou incrédulo - Quantos anos você tem mesmo?
- Sete, mas tenho manos de um hombre de trinta - Ao ouvi-lo, Ricardo não conseguiu conter a risada, mas se deteve ao perceber que tinha uma missão importante e não poderia ir, nem ao menos se lembrava de Roberto ou José terem falado algo sobre ensaio, conhecia os dois desde que se lembrava, mas tornaram-se mais próximos quando ele tinha dez anos.
- Não posso ir camarada, tenho que...
- Que pena mi amigo, então vou ter que procurar outro hombre para fazer compañía a Amélia.
- O quê? Amélia? Amélia Oliveira? Ela vai está lá?
- Sim, estamos ensayando em el garaje de sus padres - Ao ouvi-lo, Ricardo não soube bem se havia entendido certo, já que não sabia o suficiente de espanhol, mas se Amélia estava lá, ele estaria indo o mais rápido que podia.
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Cage
Roman d'amourSe você tivesse a chance de desvendar um mistério, você faria? E se não tivesse escolha? Se não soubesse o que fazer em um tempo que não é o seu? Todos pensavam na morte dele como uma das maiores perdas do rock alternativo dos anos 90, o Brasil inte...