O Olhar

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Marcus_Alencar diz:

Pois bem, continuarei minha narrativa.

Como comentara, naquela época, embora Pâmela e eu trocássemos alguns olhares — principalmente durante os treinos de natação —, nunca havíamos trocado uma única palavra. Ao contrário dos demais, que se digladiavam por sua atenção, para estar ao seu lado, alguma coisa em mim me mantinha afastado — E, quem sabe, se eu tivesse escutado meu espírito para me manter afastado dela, talvez nada disso tivesse acontecido...

— Você tem sorte, Marcus, nada mais! — gritava Fernando, um dos meus melhores amigos, sempre que perdia no treino, como se os ventos pudessem espalhar a mentira para os ouvidos desejados.

Com poucos dias do ingresso de Pâmela na natação, praticamente todos os homens — e muitas mulheres, que fique registrado — se jogaram no time, alguns sem mesmo saber nadar. Competições ocorriam aos montes, e como numa pandemia alucinada, eu era o alvo escolhido para ser desafiado todos os dias por pessoas diferentes. Desejavam todos me retirar do meu pódio de atenções, como se ao me vencer, estivessem um passo mais próximos daquela garota, que, por sua beleza inefável, permanecia distante da capacidade de cortejo de qualquer um — ou uma. Vencer-me, então, parecia o caminho para os olhares de Pâmela, isso era certo. Sem sucesso, porém, em sucessivas vitórias, hostilizavam-me de todas as maneiras que podiam, ou, quando isso não ocorria, tratavam de encontrar outros culpados para seu fracasso: minha sorte, doping, ayahuasca, feitiçarias...

— Bom eu sei que você não é! — Continuava a gritar Fernando, dia após dia, numa rotina copiosa.

— No momento em que você focar em nadar e não nas pernas da Pâmela, talvez, TALVEZ, tenha alguma chance! — Era somente o que eu respondia para ele.

— Ah, sim, as pernas de Pâmela...

E ele continuava assim, abobalhado, enfeitaçado por uma garota que não parecia notar que ele existia — o que, para ser franco, era algo que me intrigava. Por que olhar a mim, se existia alguém como Fernando na escola? Erámos opostos, mesmo em personalidade. Enquanto ele exalava extroversão, fazendo questão de ser percebido por onde passava, meus ares introspectivos não me permitiam a nada mais do que andar pelos corredores sem desejar chamar atenção. Talvez por essa razão, eu estivesse acostumado a estar em sua sombra — literalmente, pois ele media 1,90 de altura contra os meus 1,73—, e com maxilar definido, queixo quadriculado, cabelos castanhos, barba rala e de olhos claros, era o típico padrão que parecia ser a primeira escolha de ambos os sexos. Homens como ele, facilmente eram vistos como mulheres feito ela. Mas não, como uma ironia grandiosa do destino, pela primeira vez na vida, lá estava uma garota, a mais desejada, olhando para mim no lugar dele — isso o ensandecia de ciúmes, ferindo seu ego gravemente. Se eu falasse que odiava aquilo, seria a primeira mentira que contaria neste fórum. Não, não. Eu amava estar na mira dela, mesmo que distante. Quem não gostaria?

Ferido de verdade, no entanto, Fernando ficou naquela fatídica tarde em que o meu caminho e o de Pâmela, enfim, se cruzaram, quando almoçávamos no refeitório da escola.

O refeitório era o lugar mais impróprio de encontrar Pâmela — só depois descobri o porquê. Preferindo a solidão à uma sala cheia de adolescente barulhentos que não desgrudavam os olhos dela, passava o horário livre lendo debaixo de uma das árvores do campus. E, ainda sim, num arranjo improvável da tragédia, ela apareceu, silenciando a todos à medida que os demais a percebiam lá. No silêncio, que tomava de conta do lugar numa espécie de prévia de alguma melopeia que deveria se desenrolar, ela olhava atentamente a todos, como se buscasse algo. E de fato buscava: buscava a mim. O prazer que cruzou sua face, fez-me corar imediatamente, enlouquecendo meu coração a cada passo que dava em minha direção.

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⏰ Last updated: Jul 01, 2017 ⏰

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