Terremoto

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   - Onde está você, Pólion? – murmurou o Rei, apertando o apoio de braço do cadeirão.

   As areias do deserto forravam o mundo dos homens, e se estendiam para o Norte até onde os olhos podiam ver. O vento soprava violentamente, tentando levar o horror da batalha para o outro lado das ondas do mar, que se chocavam com as rochas ali perto. Lá do alto o sol, a pino, iluminava a barbárie, fazendo brilhar tanto o elmo quanto a ferida. O astro aquecia a carne e fervia o sangue, e o suor chegava ao chão em grandes quantidades, tal qual o sangue.

   Mesmo com as condições daquele dia, incluindo o local da batalha, os homens de Baldom não seriam facilmente sangrados. Eles eram altos e longos como arpões, dizia-se que os Deuses os havia criado àquela maneira, para alcançarem locais que outros jamais atingiriam; também eram morenos como as rochas da encosta, para resistirem ao sol impiedoso do deserto e às intempéries do mar. Suas vestes eram esverdeadas, como as águas cristalinas que contornavam a cidade, e seus elmos eram o único adorno de metal que carregavam por sobre o corpo. Ao contrário de seu inimigo, os homens do deserto não utilizavam armaduras, pois tais armamentos não condiziam com a presença constante do calor e da areia.

   - Primo, meu Rei – falou Ragadór -, sinto-me envergonhado aqui nesta torre, parado ao lado de uma bandeja de uvas enquanto meus vizinhos e amigos morrem na batalha.

   O Rei levou a mão até a testa.

   - Aguarde, Ragadór, os Deuses nos chamarão, e então desceremos juntos para a vitória – disse isso e suspirou. - Ou para a morte.

   Toda a cidade ficava ao redor do castelo, por sobre a rocha da ilhota. Encarando o mar, abaixo das muralhas, e acima da linha onde as ondas encontravam a pedra, ficava o porto, com mais de cem navios parados.

   O castelo ficava em uma grande ilha, no centro da enseada de Baldom, como uma flecha no alvo, e sua longa ponte se estendia por muitos metros antes de chegar até a praia. As torres eram enormes, com centenas de janelas esculpidas na pedra, e se erguiam imponentes como imensas sequoias. No topo de uma dessas torres, em uma pequena sacada, sentado em um cadeirão de madeira, estava o Rei Mardór, o Escudo Vivo. Ferido, e com uma faixa no olho esquerdo, ele observava a batalha, inerte. Ao seu lado estava seu primo, Ragadór, O Martelo de Baldom, considerado por muitos o guerreiro mais competente de todo o continente.

   Do lado direito do Rei, colado ao apoio de braço do cadeirão, haviam cinco estandartes muito decorados, bordados em couro grosso com linhas de lã de ovelha, tingidas e pintadas. Os tecidos eram enormes, verdadeiros tapetes presos às hastes de madeira, e neles repousavam sinais de batalha: O Arco, O Arpão, A Serpente, O Gavião, e O Escudo.

   Uma das torres dos homens, no meio da batalha, caiu como uma árvore com raízes podres. O estrondo no deserto foi imenso, mas chegou aos ouvidos do líder da cidade como um distante estalar.

   Ali, na sacada, do lado esquerdo do Rei, estavam cinco executantes de batalha, responsáveis por passar as ordens pelo vento até o campo lá em baixo. Cada um dos executantes tinha uma longa trombeta alva nas mãos, confeccionadas de chifres de Dragões. Vestiam mantos vermelhos, inteiramente bordados com os símbolos das cinco ordens de batalha de Baldom, apontando que todos eles eram responsáveis pelas ordens do Rei, não importasse qual fosse ela.

   - Feras amaldiçoadas! Sacos de estrume! - Ragadór ficava cada vez mais impaciente na torre - Que fazem nas areiras? Nossos homens estão morrendo às centenas!

   - Não subestime nenhuma criatura durante a guerra, meu Primo, os seres vivos, em situações como essa, são capazes de coisas que perturbariam até mesmo o sono dos bêbados.

Terremoto (por Marco Febrini.)Onde histórias criam vida. Descubra agora