Paro em frente ao espelho e encaro meu corpo despido. Faço isso toda vez que me sinto um lixo, o que é com muita frequência. Quero arrancar a infelicidade que faz minhas lágrimas transbordarem, mas algo me diz que não será um trabalho fácil.
Respiro fundo, tentando dissipar o medo crescente que serra meu ser ao meio.
1, 2, 3.
Mais uma vez.
1, 2, 3.
Concentro na figura no espelho, pronta para o que está por vir; lá está ela, a gorda chorosa que me encara com raiva. Lá estou eu, a gorda pedinte e cansada.
Tenho vontade de tirar os olhos do espelho, mas isso faz com que os monstros da minha mente riam de mim. Prossigo:
– Você é tão linda. –digo ao reflexo, tocando o espelho com o as pontas dos dedos. Minha voz soa rouca por decorrência do choro– Tão linda.
Isso deveria bastar para mim, mas apenas alimenta meus monstros que agora dançam com liberdade pelos espaços escuros do meu quarto.
– Você é inteligente e especial. –continuo, arrancando mais risos dos meus telespectadores.
Todos zombam de mim, como sempre.
Fecho os olhos com força e volto à contagem para me acalmar.
1, 2, 3.
De novo.
1, 2, 3.
Minha médica diz que isso é eficaz. Nem sempre, doutora. Porém, meus monstros se calam, sempre se calam quando faço isso. Não por muito tempo, mas o suficiente para que eu possa continuar:
– Seu cabelo é irado. –digo, limpando os vestígios de lágrimas do meu rosto– Seu rosto é tão belo.
Escuto algumas risadinhas ao longe, mas me obrigo a ignora-las.
– Deusa.
– Rainha.
– Gata.
– Baleia.
A última palavra sai por acaso; um descuido que me cala. Meus monstros aproveitam o momento para se aproximar, me fechando com sua escuridão que causa calafrios. Sento no chão abatida.
"Não pare de tentar." Algo suplica dentro de mim.
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GORDA
Short StoryLilian para em frente ao espelho mais uma vez; quer se amar. Porém, os monstros da sua mente rondam seu quarto, tentando puxa-la para baixo. "GORDA" é um conto cru sobre a chama da auto aceitação. ...