Nunca pensei em me amar. Sempre me achei um lixo, um monstro, um ser patético digno de toda ruindade do mundo. Dizer isso em voz alta não é só assustador para meus monstros como também para mim.
Quero me amar.
Quero me amar.
Quero me amar.
E é verdade, eu quero. Não sou tão imprestável, nem tão ruim assim. Minha aparência não deveria classificar como devo e mereço ser tratada.
Quero me amar.
Corro até meu guarda roupa e colho peças de roupas que nunca usei. De uma hora para outra monto uma espécie de passarela da moda, onde eu sou a modelo que exibe as roupas que nunca vestiu por pura vergonha para seus ursos velhos de pelúcia. Horas se passam até que eu volte para frente do espelho, agora vestindo um vestido florido que ganhei da minha mãe no verão. Lembro que minha irmã caçoou dos meus braços gordos quando me viu com ele, por isso desistir de usa-lo. Frente ao espelho não pareço tão mal assim.
Na verdade estou muito bonita.
Meus monstros me observam com ódio, calados no escuro. Uma coragem insana faísca no meu peito, me incentivando a provoca-los, mas não faço. Não estou pronta, não agora.
Continuo odiando meus braços gordos e a forma como minha barriga marca o vestido, mas não tanto quanto antes. De alguma forma acho estupidez me odiar só pelo que sou.
Meus monstros parecem miúdos na escuridão, silenciosos. Pela primeira vez o medo está mais neles do que em mim.
Toco meu reflexo no espelho mais uma vez:
– Não te amo ainda, mas sei posso amar. Eu quero te amar.
Não sou ingênua o suficiente para acreditar que o tal amor próprio está por aí. Sei que não está em nenhum manual de instruções de uma revista adolescente ou em um vídeo do Youtube. Ele está dentro de nós, escondido nas nossas entranhas, aguardando o momento certo para aparecer. É como se fosse uma chama interna que só acende quando percebe que você está cansa de perder, mas que depende de nós para decidi se apaga ou consume tudo.
Minha chama são faíscas, porém faíscas fortes o suficiente para amedrontar meus piores pesadelos.
Quais estragos uma fogueira pode causar?
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GORDA
Short StoryLilian para em frente ao espelho mais uma vez; quer se amar. Porém, os monstros da sua mente rondam seu quarto, tentando puxa-la para baixo. "GORDA" é um conto cru sobre a chama da auto aceitação. ...