O Jardim

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Ele se encontrava na luz, em meio à escuridão.

Era apenas um garoto baixinho com roupas desbotadas, cujos cabelos e os olhos eram negros como a noite e pele clara como o dia. Sentado sobre a grama do imenso jardim banhado de escuridão, observava, fascinado, as partículas minúsculas que brotavam da muralha, sua única fonte de luz. Agitava-as com as mãos só para vê-las subir e descer numa dança hipnotizante.

Sentado ali, era o único local de onde podia admirá-las.

Virou a cabeça, observando a escuridão que rodeava todo o espaço. Não conseguia enxergar nada. Nada que não estivesse iluminado pelos raios que passavam por sobre a limitada passagem no muro.

E como ele sabia que havia um muro?

Certa vez, quando os raios de sol tornaram-se fracos e desapareceram, o menino levantou-se, obstinado a encontrar uma saída daquela escuridão que o mantinha preso. Firmou suas pernas e se pôs a correr. Levantou os braços, esperando que eles pudessem alertá-lo quando algo estivesse à sua frente, no imenso breu.

Tarde demais.

A velocidade da corrida fez com que o impacto o jogasse no chão. A grama não foi suficiente para amaciar a queda, o garoto gemeu, mas se levantou logo em seguida.

— Preciso tentar de novo, agora em outra direção. – Falou para si, desta vez decidindo ser prudente, caminhou.

E assim o fez, testando os outros três lados do jardim, até se dar conta de que estava preso em uma espécie de cubo, feito de enormes sebes. Ele tateou o muro, à procura de frestas em meios aos galhos que arranhavam as palmas das suas mãos. Suspirou, abaixando-se, e se encostou ao muro. Logo fechou os olhos quando o sono o venceu, esperando as próximas horas em que os raios luminosos retornariam e ele poderia voltar para seu lugarzinho iluminado.

Mais tarde, já no mesmo lugar, enquanto admirava suas amiguinhas flutuantes balançarem ao seu redor, uma coisa nova aconteceu: ele ouviu um canto. Melodioso e baixo, era o assobio de um pássaro. Ele olhou e olhou procurando, até que o viu pousado no buraco luminoso, no muro do jardim. Um pequeno pássaro de asas e olhos negros.

Olá, amigo. – Ele sorriu. – De onde você veio?

O pássaro piou e continuou a cantar, enquanto puxava algo em meio a folhas que rodeavam o buraco.

— Me chamo Jimmy e você? – Tentou conversar, mas o pássaro continuou a cantar. O garoto viu que o pássaro se aproximava da borda, quase entrando na prisão escura. – Cuidado, amigo. Se entrar aqui pode ser que não consiga sair. Foi assim comigo, lembro apenas de estar andando de bicicleta na minha rua, logo depois um forte clarão e quando acordei, já estava aqui, desde então nunca soube como sair.

O pássaro o ignorou e logo voou para dentro do jardim, desaparecendo na escuridão.

— Oh! – O menino suspirou. – Espero que você tenha mais sorte do que eu em achar a saída.

Passado alguns minutos, ele voltou a ouvir o seu canto e não demorou muito para o mesmo surgir ao seu lado, pousando em sua mão. O garoto o observou, franzindo o cenho ao notar a flor roxa, presa no bico do pássaro.

— Onde você achou isso? – Pegou a flor, colocando-a na luminosidade e observando sua beleza. Apesar de saber que aquela prisão escura era um jardim, o garoto nunca havia visto uma flor, somente folhas e mais folhas.

— Ela é bonita. - Sorriu. Aproximou a flor do nariz para sentir seu aroma. O pássaro logo voltou ao buraco e, sem dar um assobio que seja, desapareceu.

— Até mais, amigo. – Agarrou a flor com suas mãos. - Espero que você volte amanhã.

Em outro ambiente, frio e branco, cercado de aparelhos e um bip incessante, um corpo repousava em uma cama, coberto com um lençol azul pálido. O rosto do menino parecia sereno, sua mente perdida no desconhecido. Uma janela de vidro iluminava todo o local e, no parapeito, um bonito corvo saltitava serelepe, observando o quarto.

A enfermeira surgiu com sua prancheta e observou o garoto. Aproximando-se, escovou o cabelo de sua testa.

— Pobrezinho. – Sussurrou. – Espero que algum dia você acorde.

— É o que todos esperamos, Lisa. – Disse o homem de meia idade vestido de branco, entrando no quarto.

— Já faz dois anos. – Ela lamentou. – E ele nunca mostrou melhora.

— Seu corpo está curado, ele irá voltar quando sua mente também estiver...

— Não estava aqui na época, mas pelo que sei, um motorista embriagado o atingiu com o carro.

— Que horror! – Ela cobriu a boca com uma das mãos, ao notar que havia falado alto demais. – O que aconteceu com o motorista?

— Se matou. – Verificou a prancheta. - Era o pai dele.

— Que história trágica. – A mulher lamentou.

— Sim, o pai costumava beber e dirigir, estava voltando para casa em um início de noite, quando o acidente aconteceu. – Levantou o olhar para ela. – Quando viu que o garoto estava em coma e não tinha muitas chances de se recuperar, se suicidou.

— Entendo. – Ela voltou a encarar o menino, que não parecia ter mais de 10 anos. – Sinto pela mãe dele, não bastava a situação do filho, seu marido ainda estava envolvido.

— Sim. – Ele sorriu tristemente. - Ela tem esperanças. Todo dia vem visitar o menino e lhe traz uma flor. – Apontou para o único vaso na mesinha ao lado da cama. Uma flor solitária repousava na água.

— Eu também acredito na recuperação dele. – A enfermeira sorriu. – Acredita que toda manhã, quando entro e vejo o sol iluminando parte do leito dele, tenho a sensação de vê-lo sorrindo?

O homem riu. — Acredito. Talvez ele esteja mais perto de voltar para nós do que imaginamos. – Virou-se, já saindo do recinto.

— Deus queira que sim. - A mulher disse, saindo logo atrás do doutor.

No cômodo austero, onde a única cor que sobressaía era o roxo da pequena flor, um sentimento de esperança se espalhou.

O pássaro, que observava toda a cena, voou para dentro, pousando no vaso que guardava a brilhante flor. Ele encarou rapidamente o menino na cama, para logo em seguida segurar a flor entre o bico e voar para longe, indo para onde suas asas o guiavam.

Indo para o menino.

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⏰ Última atualização: Oct 29, 2017 ⏰

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