Capítulo Dois

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Retiro meu óculos de leitura e ponho-o na mesa, junto com alguns livros e arquivos. Minha rotina de trabalho era apenas o básico, nada muito anormal. Me formei a dois anos e posteriormente, iniciei meu treinamento de monarca. Crio ideias para novas leis, analiso e busco por cláusulas escondidas em documentos e contratos, invisto em recursos que venham a ajudar o povo e mantenho preservado propriedades públicas e privadas. Minhas irmãs se aproximam, cada uma com livros nas mãos.
- Bom dia, Allegra. - Alessia me cumprimenta com a cabeça e se senta. Amapola é mais informal e me abraça.
- Bom dia para as irmãs mais lindas deste mundo. - sorrio, retribuindo o abraço, logo me sentando.
- Parece que na reunião de hoje haverá algum projeto novo. - Amapola diz, com um sorriso empolgado. Mesmo não se formando ainda, é obrigatório que as princesas participem de reuniões, para que nós possamos aprender e opinar. Minha irmã mais nova põe os livros na mesa e começa a busca por informações que sejam úteis em seus próximos projetos. Isso já é um hábito. Antes mesmo de nem sabermos quais serão nossos temas, ela procura estar a par de todos os assuntos atuais. Todas nós nos esforçamos para ter o melhor desempenho.

Das irmãs, Alessia sempre fora a mais fechada, observadora. Amapola já é tímida e alegre. Sempre que tem um problema, procura por mim e estou sempre a disposição, para ajudar e aconselhar. Nós três somos muito unidas, nunca houve brigas realmente sérias. Apenas temos personalidades bem distintas. Enquanto Amapola aprende com nossas experiências, Alessia, por ser mais velha, nos ensina o que sabe. Seu modo de ver o mundo é mais amplo e realista. Ela já esteve fora dos muros mais vezes do que eu, viu com os próprios olhos o que realmente se passa lá fora. Amapola é tão sensível, quando mais nova, ela sempre me pedia para pentear seu longo e liso cabelo castanho. Por isso sempre me senti responsável por ela.
- Ela cresceu tanto. Parece ontem que brincávamos correndo pelo palácio. - Alessia aparece, ficando ao meu lado, enquanto observamos Amapola.
- Sinto saudades daquela época. Foi tão boa. Não tínhamos um país para governar. - digo, e ela sorri.
- Ainda não temos, apenas ajudamos nos projetos e decisões.
- Você entendeu. - sorrio, dando um soco em seu braço. Ela me lança um olhar furioso, mas logo me abraça dando um risada discreta. Ela é tão linda. Uma pele branca, com as maçãs rosadas no rosto. Quando olhamos em seus olhos, nós perdemos em tanta beleza.
- As vezes tenho medo de vocês se machucarem. - respira fundo e diz.
- Como assim? Nós moramos no lugar mais seguro do país. - ela olha para baixo sorrindo e nega com a cabeça.
- Não esse tipo de ferimento. - ela me observa novamente. - Vocês confiam muito nas pessoas. Não veem o mal que existe no mundo - ela sorri fraco.
- E é ruim acreditar que o mundo é um lugar bom? Está me falando para parar de acreditar que posso ajudar a fazer do mundo um lugar melhor? - arqueio as sobrancelhas.
- Você acha que é capaz de mudar o mundo? - ela me olha de forma estranha. - O mundo é um lugar perdido. Pessoas são cruéis, apenas pensam em si próprio. Por isso houve a Terceira Guerra Mundial. E você ainda acha que pode fazer o possível para fazer do mundo um lugar melhor? - fico quieta e me sento novamente, mas do outro lado da grande mesa de madeira. Uma maneira de ferir sem ao menos tocar na pessoa, é ficar quieto. Isso mata qualquer um. E eu tenho esse dom.
- Não vai me responder? - ela para ao meu lado. - Ande, Allegra, sabe que quando você faz esse silêncio me mata.
- Saia daqui, Alessia. - digo, sem ao menos olha para cima.
- Fale logo, você acha possível fazer o mundo um lugar melhor? - ela grita.
- Sim. - olho para ela, com raiva. - Se você não acredita, não tente me fazer mudar de ideia.
Me levanto, paro ao seu lado e sussurro:
- E muito menos fique falando com Amapola sobre esse tipo de assunto. Pois quem irá feri-lá não é o mundo, e sim, você. - Vou em direção a porta, mas me viro e digo:
- Eu sei, que no fundo, você queira pensar igual a mim, mas suas experiências não te permitem fazer isso.

E se ela estivesse certa? O mundo seria mesmo um lugar tão ruim? As pessoas não haviam mudado depois da Terceira Guerra Mundial? Levo as mão a cabeça, desfazendo meu penteado. Sinto algumas mechas onduladas cair sobre meus ombros e tento relaxar.
- Dia difícil, alteza? - é aquela voz. Sorrio ao saber quem está atrás de mim.
- E o seu não? - dou uns tapas no banquinho, sugerindo para que ele sentasse ao meu lado.
- Posso?
- Não! - exclamo.
- Então acho que vou me sentar. - ele diz, fazendo-me dar uma gargalhada.
- Pelo menos alguém me faz rir. - respondo, olhando-o.
- É bem vê-lá sorrindo. Tens um belo sorriso. - sorrio novamente, envergonhada. Uma sensação estranha toma meu corpo, e de repente, começo a chorar, cobrindo meu rosto com as mãos. Eu não sou de brigar, ainda mais com minha irmã. Sei que posso ter pego pesado, mas ela também errou. Isso está me corroendo por dentro. Preciso encontra-lá.
- Allegra, o que houve? - ele pergunta, pondo a mão em meu ombro. Pisco algumas vezes e olho para o local em que pôs a mão.
- Você me chamou pelo meu nome! - exclamo, olhando-o.
- Perdão, alteza. Não sei o que aconteceu comigo. Não quis ser indiscreto. - ele retira a mão do meu ombro.
- Não foi. Bem, foi sim. - me viro para ele. - Mas não me importo. Na verdade, eu gostei - sussurro.
- Alteza, realmente não quis ofende-lá, foi apenas um reflexo. Eu realmente não sei o que houve para eu fazer isso.
E de repente, eu abraço-o, e por incrível que pareça, ele retribui, abraçando-me forte. Ele desfaz o abraço, limpando minhas lágrimas.
- Eu sei o que houve. Estamos nos tornando íntimos. - digo, fazendo-o sorrir.

*

Entro no meu quarto, me jogando diretamente na cama. Que dia. Eu adoro cavalgar, mas ficar seis horas em um cavalo é totalmente exaustivo. Minhas pernas estão bambas e frágeis, ao menos consegui subir as escadas sozinha. Meus olhos vão se fechando, e quando eles realmente fecham, ouço batidas na porta. Estou ficando esgotada de tantas batidas que tenho recusado ultimamente.
- Entre. - rosno, enquanto me viro para cima.
- Allegra. - Monalisa grita, entrando em meu quarto. Atrás dela posso ver Kiara, com um pequeno sorriso no rosto.
- Oi, meninas. - sussurro, enfiando o rosto no travesseiro.
- Nossa, quanta disposição, até deixou-me animada.
- Venha cá, irei fazer uma massagem. - me aproximo de Kiara, que começa a massagem em meu pescoço.
- Com as caras que Allegra está fazendo, até eu vou querer uma massagem - disse Monalisa, deitando na cama.
- Que dama de companhia mais folgada, terei que substitui-lá.
- Você não fará isso.
- Claro que não. - pisco para ela. Olho para o jardim e me pego observando as rosas. Já faz três dias que não vejo Matteo. Algo estranho está se formando dentro de mim. Gosto de tê-lo por perto, ele me faz rir. Pode estar um pouco cedo, mas sinto que já estamos virando amigos. E isso para mim é novo, afinal, eu nunca tivera amigos, além de minhas irmãs, Kiara e Monalisa. Alessia e eu ainda não voltamos a nos faltar. Essa falta de diálogo incomoda e acaba interferindo nos assuntos das reuniões. Herdamos uma grande teimosia do meu pai, Piero Bersani. Mas também somos totalmente decididas como minha mãe, Giana Romazzini. Por mais que eu seja uma pessoa tranquila, tenho meus ápices de impulsividade. Na verdade, imagino que todos nós tenhamos essa fase.
- Começo pedindo minhas mais sinceras desculpas. - disse meu pai, sentando-se na mesa. - Ocorreu um imprevisto e tivemos que cancelar a reunião de alguns dias atrás. Serei breve, pois tenho compromisso. - ele dá uma pausa e logo contínua:
- Portanto, como havia falado na última reunião, quero que criem um projeto que ajude os menos favorecidos. Pessoas que moram áreas pobres. Como desempregados e mendigos. A apresentação será oral e impressa, onde deverão a apresentar o porquê do projeto, como ele funciona, de que base ele irá se sustentar, como pode ajudar o país a progredir. O diferencial desse projeto, é que cada uma deverá planejar e idealizar o próprio trabalho. - ele se levanta, devolvendo um livro a estante. - Quero dedicação total. Trabalhem duro. Acredito no potencial das minhas meninas. - meu pai beija a testa de cada uma de nós e sai da sala de reuniões.
- Bom, com certeza é um dos mais complexos que ele já passou. - disse Amapola, terminando de destacar algo no caderno com sua caneta rosa cintilante.
- E parece que não será apenas um simples projeto. Como você disse, não é semelhante a nenhum outro. - digo me levantando. - Já irei me retirar, boa noite.
Enquanto ando rapidamente pelos corredores, observando os quadros das paredes, sinto meu corpo chocar em outro.
- Alteza, não precise se apressar, eu não irei fugir. - disse Matteo, com um tom de brincadeira. Olho em seus olhos e vejo um pouco de diversão.
- É bom poder ouvir isso, o que seria de mim sem você? - digo, entrando na brincadeira. - O que faz aqui dentro?
- Quero plantar uma espécie diferente de rosa, e então perguntei ao meu supervisor se poderia vir até a biblioteca para procurar algum livro sobre jardinagem. E a senhorita, para onde vai? - ele pergunta, pegando meu caderno no chão. Ele não usava mais seu macacão jeans. Sua calça cáqui veste perfeitamente em seu tom de pele. Pelo balançar dos seus cabelos úmidos, imagino que tenha saído do banho recentemente.
- Estou indo para lá.
- É... - ele faz uma cara de nojo. - Até que sua presença não me incomoda muito. Espero chegar vivo até lá - ele disse, me fazendo dar uma gargalhada, atraindo a atenção de algumas criadas e funcionários que passavam por ali.

A Última HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora