256

78 8 0
                                    

''Na manhã depois que eu me matei eu acordei, tomei café da manhã na cama, adicionei sal e pimenta aos meus ovos e usei minhas torradas para fazer um sanduíche de bacon com queijo.
Eu espremi algumas frutas em uma jarra de suco, raspei as cinzas do fundo da frigideira e limpei a manteiga caída no balcão. Eu lavei as louças e dobrei as toalhas.
Na manhã depois que eu me matei, eu me apaixonei. Não pelo garoto da rua de baixo ou pelo diretor da escola secundária. Também não foi pelo cara que corria todos os dias ou pelo comprador que sempre deixa os abacates fora da sacola.
Eu me apaixonei pela minha mãe e pela forma que ela sentou no chão do meu quarto segurando cada uma das pedras da minha coleção em suas mãos até que elas ficaram pretas com o suor. Eu me apaixonei pelo meu pai no rio quando ele colocou minha carta dentro de uma garrafa e mandou pela correnteza. Pelo meu irmão que uma vez acreditou em unicórnios, mas agora estava sentado em sua mesa na escola tentando acreditar desesperadamente que eu ainda existia.
Na manhã depois que eu me matei eu passeei com a cadela, eu vi a forma que a cauda dela balançava quando um passarinho voava perto ou acelerava o passo quando via um gato. Eu vi o espaço vazio nos olhos dela quando ela pegava um graveto e virava pra me encontrar pra que a gente brincasse de pegar, mas não via nada além do céu no meu lugar. Eu parei enquanto os estranhos faziam carinho nela e ela abaixava a cabeça com o toque deles como uma vez ela fez com o meu.
Na manhã depois que eu me matei eu voltei na casa do vizinho onde eu deixei a marca dos meus pés no concreto quando eu tinha 2 anos e vi o quanto elas já estavam desaparecendo. Eu peguei algumas margaridas, tirei algumas ervas daninhas e vi uma senhora através da janela dela quando ela as noticias com a minha morte. Eu vi o marido dela cuspir tabaco na pia e trazer a medicação diária dela.
Na manhã depois que eu me matei eu vi o sol nascer, cada árvore alaranjada aberta como uma mão e uma criança na rua de baixo apontou uma única nuvem vermelha para a mãe dele.
Na manhã depois que eu me matei eu voltei para aquele corpo no necrotério e tentei falar algumas verdades para ela. Eu contei para ela sobre os abacates, sobre as pedras marcadas, sobre o rio e sobre seus pais. Eu contei para ela sobre os pores do sol, sobre o cachorro e sobre a praia.
Na manhã depois que eu me matei eu tentei voltar a vida, mas eu não consegui terminar o que eu comecei.''

-Desconhecido.

Frases Perfeitas IIOnde histórias criam vida. Descubra agora