Amizade

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Aqui estou, a menos de dois dias de uma mudança de cidade. Pessoalmente não é algo tão ruim, já que não tenho amigos, somente um colega de escola que na maior parte do tempo fica falando sozinho, tipo agora. Ele faz isso há três anos, mas acho que não o incomoda... Ou então ele não percebeu ainda. Fico imaginando como será o clima da próxima cidade, como será o ambiente ao meu redor. Aqui é tudo muito quieto, chove constantemente, às vezes até mais do que eu gostaria que chovesse.

Algumas palavras vagavam pela minha mente, cada vez mais altas. Era meu colega, moreno de um metro e setenta, um ano mais velho, cabelo preto, grande o bastante para tampar sua testa ao mesmo tempo em que ficava jogado para esquerda e lindos olhos heterocromaticos claros, azul e castanho.

- JUNGKOOK! Você está me ouvindo? - Tee gritou tão alto que provavelmente até a diretora da escola ouviu.

Parece que pela primeira vez ele tinha notado que era ignorado.

- Eu te odeio. - Foram as últimas palavras dele antes de sair do refeitório, revoltado.

Talvez, se eu não fosse me mudar, teria me importado com a situação. Restavam-me sete minutos de intervalo e, novamente, eu e a diretora escutamos outro grito de Tee, me chamando. É, precisava me desculpar com ele. A sala de aula estava praticamente vazia, haviam várias mesas, cadeiras, mochilas e um ser humano com sede de sangue direcionada à mim. Após alguns passos, me encontrei frente à frente com a fera, sessenta quilos de dinamite prestes a explodir em cinco, quatro, três, dois e boom.

- Eu te odeio, cretino. - Ele se virou de costas, bufando.

Isso era tudo? Tudo aquilo para dizer que me odeia? Tee, você poderia ser dramaturgo.

- Eu também me odeio, relaxa.

E as duas últimas aulas foram assim: eu e ele criando motivos para me odiar. Não deu muito certo, eu sou um amor de pessoa. Exceto para o professor de Biologia, ele me odeia até hoje e naquele momento, não aguentava mais ouvir nossas vozes, então começou a se aproximar, quando finalmente ia poluir o mundo novamente com sua voz, o sino bateu.

"Salvo pelo gongo", foi a única coisa que saiu da minha boca enquanto ele ficou batendo o pé.

Em casa, meu pai resmungou algo sobre eu ficar o dia inteiro no quarto, ele esperava que eu saísse de meus belos aposentos para vivenciar os vários nadas que aconteciam na rua. Como sempre, ignorei e fui para o quarto.

"Foi um bom dia, meu pai não incomodou como costuma fazer todos os dias.", pensei enquanto pegava meu celular para ler as trinta e sete mensagens de Tee. Criativo, ele usou as palavras "Eu te odeio" em trinta e seis delas, a última era um aviso e pedido de desculpas, Tee não iria me fazer companhia no meu último dia de aula, por alguns instantes, uma sensação estranha me dominou. Com essa notícia nada relevante, fui jogar. Antes de dormir, pensei na sensação estranha de mais cedo, talvez ela tenha sido causada pela notícia de que iria passar meu último dia de aula nessa cidade, sozinho. Nunca a senti antes, então não sabia o que concluir.

Três minutos, eu estava três minutos atrasado para a aula com o professor mais insuportável. Ele se perdia na própria explicação, a aula de uma criança seria melhor que a dele, também tem o pequeno fator que é: dificilmente alguém entendia o que saia daquela boca.

Após algumas horas, finalmente fui pra casa, com os olhos brilhando, nunca mais iria ver aquele professor infeliz. Meu pai tentou dizer alguma coisa para me importunar, mas passei por ele falando alto.

- Eu vou arrumar minhas coisas para a mudança de amanhã cedo, tchau. - Consegui ouvir minha mãe rindo e dizendo que ia levar a janta no quarto.

Duas mensagens de Tee, a primeira era um áudio vazio, a segunda, uma pergunta “Que horas você vai?”. Com a reposta enviada, arrumei minhas coisas, jantei e me deitei para dormir, pensando que o dia poderia ter sido melhor com meu colega lá, para ser ignorado, gritar e irritar o professor comigo.

Acordei mais cedo que meus pais. Tomei café sozinho, cuidei da minha higiene pessoal e esperei por duas horas. Já estava tudo pronto, era só entrar no carro e ir embora, mas Tee apareceu, não disse nada, só me abraçou. Involuntariamente, retribui.

- Você está terminantemente proibido de me esquecer. - Disse sorrindo.

Talvez, lá no fundo, eu não o considerava apenas um colega de escola, e pela primeira vez, soubemos disso. No carro, fiquei o observando pelo vidro até que não pudesse mais vê-lo, ele ficou lá o tempo todo. Estava me sentindo um idiota, minha mãe viu a cena toda e estava rindo, de modo tímido... Até que eu recebi a mensagem.

E Pela Primeira VezOnde histórias criam vida. Descubra agora