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Se Benjamin bem se lembrava, eram dezoito quilômetros do esconderijo até Nova Sirmo. Depois que o G2 tomou posse no poder das nações, quase todas as cidades haviam sido renomeadas, como sinal de uma nova era de "paz e prosperidade", mas tudo o que conseguiram foi dificultar ainda mais a localização e orientação das pessoas. As estradas eram tomadas de blitz e radares constantemente por causa dos que não receberam a nova identificação subcutânea.  Parece que mais um foi pego pelos radares, porque um zumbido baixo seguido de uma sirene de polícia soou mata adentro. Era uma armadilha bem sofisticada. Sem o sinal de identificação subcutânea, os radares disparam uma cortina de estática no mesmo instante, acertando raios em uma frequência que apenas imobiliza a pessoa até a polícia chegar. Tesla estaria se remoendo no túmulo se visse o que fizeram com suas bobinas...

Logo, Benjamin precisava cortar pela mata. Isso significaria que ele não seria visto, mas também significaria que teria que usar o poncho de camuflagem que herdou de seu pai e se mover ocultamente como se tivesse alguém muito perto o observando. Três tempos parados alternados entre os esconderijos, dez, trinta, quinze, como seu pai lhe ensinara. Era demorado, mas muito mais seguro.

Nunca confie na mata. A mesma mata que te esconde é a mesma mata que esconde outro.

Seu pai estava certo... Sempre ganhava dele no esconde-esconde com essa tática quando acampavam. Quando menos esperava, ele brotava do chão como um espectro. É onde entrava as lições de defesa pessoal e de ataques eficientes. Quando havia folga, jogavam algumas partidas de Go. Não era seu jogo favorito pois exigia uma atenção constante a toda e qualquer possibilidade no tabuleiro, mas quando ganhou a primeira vez contra seu pai foi como se o jogo começasse a fazer todo o sentido. Hoje sentia falta dele quando jogava contra si mesmo. Ao chegar na borda da floresta faltando uns vinte passos para entrar em uma viela por trás de um muro residencial, Benjamin coloca a capa camuflada dobrada num saco de pano, cuidadosamente dobrado em seu bolso para não ter volume. Entrou na cidade com o saco nas costas.

A periferia de Nova Sirmo era curiosa. Não era uma metrópole deveras ordenada e limpa como Centra Urbo se tornara após a guerra, mas pelo menos dava para se andar na rua sem correr riscos. Pelo menos era o que pensava até um policial do G2 ver ele andando na rua e começar a seguí-lo.

-Merda!- Benjamin odiava essa palavra, mas era inevitável diante de sua frustração. Gostava de sair e entrar sem ser visto por ninguém, só por quem ele quisesse. Começou a andar e virou uma esquina, seguido de perto por um dos guardas. A guerra não fora apagada das ruas de Nova Sirmo, o que deixava as ruas e vielas apinhadas de escombros e de construções em ruínas, muitas delas usadas como abrigos improvisados. Virou mais uma esquina, tentando se livrar do xereta. Benjamin consegue uma boa distância dele e começa a pegar velocidade, embrenhando-se mais e mais entre as vielas do Marovidis, um dos maiores e mais intrincados bairros periféricos de Nova Sirmo. Começou a escalar um espaço entre dois prédios e se enfiou em um vão no meio do telhado. Dois guardas passaram por baixo dele, mas não o viram, exceto dois olhinhos curiosos na janela da frente.

A criança olhava Benjamin com estranheza. Benjamin deu uma piscadela e colocou o indicador na frente dos lábios, indicando silêncio. Benjamin arriscou uma olhada para baixo e os lados, verificando o corredor vazio.

Benjamin vasculha os bolsos e encontra uma pedra azul que achou na floresta. Ele iria fazer um colar com ela por achá-la bonita, mas resolveu mostrar para a criança que a achou linda. Ela correu para a janela para olhar mais de perto. Benjamin movimentou a mão, o que fez a criança se preparar para pegar a pedra. Ao jogar, a criança quase pegou, mas caiu no chão da cozinha. Rapidamente ela pega e fica feliz com o presente. Sorriu para Benjamin que sussurrou, deixando claro as palavras em seus lábios. É seu.

A criança ficou ainda mais animada. Em um gesto de troca e gratidão, indicou que esperasse um pouco. Em poucos segundos, chegou com um pão caseiro fresco e cheiroso num saco de papel. Jogou para Benjamin que pegou com um sorriso nos lábios. Ao ver o conteúdo do saco e o cheiro delicioso que emanava do saco, Benjamin agradeceu com um gesto particular: Encostou a mão direita fechada no coração e inclinou-se para frente.

Claro, para a menina não significa nada, mas o gesto em si dizia tudo. Benjamin desce de seu esconderijo e some pelas vielas.

E para Benjamin, aquele pequeno ato renovou suas forças. Sim, ainda havia bondade na Terra.

O Último LivroWhere stories live. Discover now