O Último Livro

5

-Harpia?

-Não se lembra de mim?

Benjamin balança a cabeça negativamente.

-Ben... Onde está o Lobo? Seu pai ele....

-Sim.

Harpia abaixa a cabeça com pesar. Uma lágrima escorre por seus olhos até cair pelo queixo ralamente barbado.

-Como conseguiram?

-Também não sei... Mas ele deixou isto.- disse, tirando o cartão de memória do bolso. -Espero que a estática não o tenha apagado...

-Onde você achou isto?

-Dentro da capa da bíblia que ele me deu.

-É bem a cara de seu pai deixar uma pista para um enigma maior. Se soubesse o tanto de cicadas que ele fez comigo... Nunca pensei que usaria tudo agora.

-Como vamos ler esse cartão?

Entraram na enorme sala subterrânea iluminada por tochas. Haviam várias pessoas ali reunidas organizando mantimentos, cobertores, alimentado refugiados... Tudo funcionando com a mais perfeita ordem. Harpia chama um dos que estavam com a equipe de mantimentos.

-Rakún, chame os sargentos para a sala de reuniões. Temos uma missão prioritária agora.

-Entendido, major!

-Major?- Benjamin pergunta.

-Seu pai fundou esta organização junto comigo e a equipe paramilitar dele. Ele queria ter um plano B para as pessoas que sobrevivessem à guerra, e tinha certeza que usaria isso cedo ou tarde. E acho que esse cartão tem alguma coisa a ver com o projeto que ele estava desenvolvendo antes de sumir com você, então você o achou na hora que ele planejou.

-Impossível. Ele...

-Acredite. Convivi com seu pai a maior parte da minha vida. Se deixar, ele previu até nossas falas agora mesmo.- disse enquanto abria a porta da sala de reuniões. Suspirou. -Um verdadeiro aprendiz de onisciente.- Riu com pesar.

Todos na mesa prestaram continência.

-Senhores, este é Benjamin. Nosso novo sargento e mensageiro. O Coronel Lobo nos deu um cartão de memória com uma mensagem importante, mas para sabermos do que se trata, já sabem.

Benjamin estranhou o terem chamado de sargento logo de cara. A reunião prosseguiu.

-Precisamos de computadores... Mas como vamos arrumar um leitor de Cartão SD se não podemos nem ter lâmpadas para não delatar nossa posição?

-Fica a questão. Como faremos para ler o cartão sem que os satélites quânticos do governo detectem nossa posição e conteúdo?

Um a um, todos silenciaram. Harpia respira fundo.

-Imaginei. Meu plano é o seguinte: Cada um dos nossos mensageiros vai ligar um pc em pontos diferentes da cidade. Cada um de vocês terão que fazer alguma coisa relacionada à resistência, desde buscar a bíblia na deep web, verificar notícias, etc, tudo para disfarçar o Benjamin lendo o SD do pai dele. É arriscado? É. Alguém se habilita?

Oito pessoas levantaram a mão.

-Amanhã começaremos a pesquisa coordenada.

Benjamin pediu a palavra.

-Melhor começarmos de dois em dois nos próximos cinco dias para disfarçar. Assim os scanners vão se habituar à rotina e não vão dar tanto alarde.

-Ou podemos mandar quatro  e se comunicarem entre si, também funciona.- Um dos que estavam na mesa sugeriu.

-Concordo.

-Então amanhã começamos. Alguma pergunta?

Rakún ergue a mão.

-Como você sobreviveu tanto tempo na mata com seu pai sem ser pego?

Benjamin solta um pequeno riso.

-Ele disse uma vez que nunca devemos fazer perguntas sobre as quais já sabemos as respostas.

Risos. Era raro um momento de descontração na Resistência, visto que estavam mais concentrados em sobreviver à caçada que estavam submetidos. Rakún solta um riso discreto enquanto o grupo lhe dá tapinhas debochadas nas costas.

-Justo, justo...

Harpia deixou os risos abrandarem antes de dispensar a todos. Conduziu Benjamin por um corredor e lhe mostrou o alojamento. Por incrível que pareça, algo de familiar começou a se fazer no ar quando entrou no aposento iluminado por velas e ventilado por um exaustor no canto do cubículo que tinha apenas uma cômoda onde uma lamparina de querosene ardia, algo que parecia ser um armário escavado na rocha a cinzeladas e um futon num canto da parede. Simples, mas estranhamente acolhedor.

Benjamin começou a estranhar seus sentimentos. Algo no ar ali era familiar demais para ignorar.

Como se ele já tivesse estado ali antes.